Título: Pela porta da frente
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 21/12/2007, O País, p. 3

ARTE ROUBADA

Quadros de Picasso e Portinari são levados com facilidade do Masp, principal museu do país.

Em três minutos, um grupo de ladrões invadiu pela porta da frente o Museu de Arte de São Paulo (Masp), o mais importante do país, roubou duas obras valiosas e deixou o prédio sem que nenhum vigilante percebesse. Os ladrões roubaram as telas "Retrato de Suzanne Bloch", quadro raro da fase azul do espanhol Pablo Picasso, e "O lavrador de café", de Cândido Portinari, uma das imagens mais populares das artes plásticas brasileiras. As duas telas são avaliadas em mais de R$100 milhões.

A polícia não tem pistas dos ladrões, mas as falhas na segurança do museu são evidentes. As câmeras de segurança do Masp filmaram a entrada do grupo mas, como são obsoletas, não produzem imagens de qualidade no escuro. As luzes do museu estavam desligadas por contenção de gastos e é quase impossível reconhecer alguém pelas imagens gravadas.

Apesar do acervo avaliado em centenas de milhões de dólares, o sistema de alarme no Masp estava desligado, pois um dos guardas em depoimento à polícia disse que ele "vivia disparando". As portas das salas onde ficam as obras estavam abertas. E, no momento do furto, das 5h09m às 5h12m, os quatro homens que faziam a segurança do prédio estavam todos no subsolo, esperando a troca de turno.

No dia 29 de outubro, o Masp foi alvo de uma tentativa de invasão. Um grupo rendeu um vigia e só não conseguiu entrar no museu porque o elevador estava parado. Na semana passada, houve outra tentativa de invasão, com uso de maçaricos, segundo policiais. Apesar disso, não houve reforço na segurança.

- Todos os indícios levam a crer que foi a mesma turma - disse o delegado titular do 78º DP, Marcos Antonio Gomes de Moura.

O crime só foi comunicado à polícia às 9h25m, mais de quatro horas depois do ocorrido.

A direção do Masp não comentou o furto e se limitou a divulgar uma nota. "Ao longo dos seus 60 anos de atividades ininterruptas o Masp nunca sofreu uma ocorrência desta natureza, razão pela qual foi instaurada sindicância interna visando, inclusive, a total colaboração com o trabalho policial. Ações semelhantes, infelizmente, têm ocorrido não só em grandes museus do mundo como também brasileiros", diz a nota. O museu ficará fechado até o fim da perícia.

Obras não estão seguradas

A assessoria do Masp informou que o museu não tem seguro específico para suas obras de arte, mas apenas um seguro geral para o prédio.

Segundo a polícia, três homens passaram pelos biombos de vidro que separam a escada principal da calçada da Avenida Paulista. Com um macaco hidráulico e um pé-de-cabra, arrombaram a porta de aço que protege a entrada na Avenida Paulista. Subiram até o segundo andar, retiraram as duas telas, inclusive as molduras, e saíram sem ser notados. O chefe de segurança do museu só foi perceber o furto por volta das 6h, ao ver o macaco hidráulico e o pé-de-cabra.

As imagens das câmeras de segurança são de péssima qualidade e não permitem a identificação dos ladrões, que sequer usaram máscaras.

-Vamos mandar para o Instituto de Criminalística. Do jeito que estão as imagens, não dá para identificar ninguém - afirmou o delegado.

Um fone de ouvido encontrado no interior do museu indica que pelo menos uma pessoa, do lado de fora do prédio, dava suporte para o grupo, passando informações por rádio ou outro serviço de comunicação.

- Foi coisa de profissionais. Amador não faz uma coisa dessas - disse o delegado.

Segundo ele, é "prematuro e leviano" dizer que a segurança do Masp é falha. Já o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Jaber Saad, tem opinião diferente:

- Quando ocorre um fato desses, sempre há alguma falha. Ou acontece por falta de segurança eletrônica ou até mesmo por falha humana - disse Saad.

A PF entrou na investigação por se tratar de furto de patrimônio. A possível participação de funcionários do Masp será investigada. Os 40 servidores serão ouvidos pela polícia. A polícia suspeita de um furto encomendado.

- Isso é algo encomendado por alguém que tem grande poder aquisitivo, mas não consegue comprar uma obra dessas, pois elas só existem nos museus - disse Moura.

Segundo especialistas, o perfil das obras roubadas aponta para uma encomenda.

- Em furtos normais, são escolhidas obras de médio valor, de preferência não catalogadas, que não chamam tanto a atenção. No caso do Masp levaram duas obras muito conhecidas - disse o consultor Ricardo Chilelli, representante no Brasil da empresa americana RCI - First Security and Inteligence Advising.

- Este tipo de obra não é vendida na feira - completou o delegado Moura.