Título: Providência
Autor: Crivella, Marcelo
Fonte: O Globo, 22/12/2007, Opinião, p. 7

Levei ao presidente Lula a sugestão, contida em projeto de lei de minha autoria, que institui o "Programa de Melhoria Habitacional em Áreas Urbanas de Risco com a participação do Comando do Exército", de um programa de reestruturação das casas do Morro da Providência, a que demos o nome de "Cimento Social", calcado numa convicção profunda de que temos de atacar, por algum caminho, o problema das comunidades periféricas do Rio, assim como o das demais metrópoles brasileiras. Os programas convencionais realizados até aqui têm sido de eficácia duvidosa. Não mudam a perspectiva histórica da degradação continuada dos morros e demais periferias.

Mesmo o Favela-Bairro, que tem méritos indiscutíveis quando se propõe levar serviços públicos às favelas, pára na porta dos barracos. Estes continuam em condições muitas vezes inabitáveis, além de inseguras. E essas condições precárias não dizem respeito apenas às periferias: as classes dominantes brasileiras, que apóiam com grande entusiasmo investimentos públicos que as beneficiam, não conseguiram até o momento estabelecer um estatuto pelo qual o mosquito "favelado" da dengue não possa descer do morro para o asfalto.

Refleti muito sobre as questões urbanísticas candentes do Rio na minha condição de engenheiro. Imaginem, se nada for feito de concreto, o que será de nossa cidade dentro de vinte ou trinta anos! Não é óbvio que a degradação urbanística e sanitária acabará nos afogando a todos, ricos e pobres? Sei que não há soluções simples, sei que gente de indiscutível capacidade tem-se preocupado com o assunto, sei que há debates infindáveis em torno dele. Entretanto, onde está a ação? Vamos ficar discutindo eternamente?

Felizmente, o presidente Lula entendeu que temos de começar por algum lugar. A entrada do Exército, como executor das obras, apareceu como uma solução de caráter não apenas prático, mas simbólico. As Forças Armadas têm uma dívida histórica com os que retornaram das guerras do Paraguai e de Canudos, em sua maioria negros, mestiços e brancos pobres, cuja única retribuição pelo risco e pelo sacrifício foi serem mandados para ocupar, sem qualquer ajuda e sem qualquer infra-estrutura, esse morro que se transformaria na primeira favela do Brasil.

O cronista Zuenir Ventura, em artigo no GLOBO, sob o título pretensamente depreciativo de "I belong to Crivella", tenta depreciar minha iniciativa como de interesse estritamente "político". É o que traduziria uma faixa colocada no morro repelindo as obras que estão sendo ali realizadas, com a presença do e pelo Exército. Não vou questionar a autoria da faixa: basta avaliar a quem interessa manter a favela como patrimônio exclusivo da marginalidade. De qualquer forma, o cronista talvez ignore que, antes de iniciar as obras, recolhemos abaixo-assinado da maioria dos moradores a seu favor. A lista está disponível, embora não tão visível quanto uma faixa.

Mais importante, como fundo conceitual da crônica, é a desqualificação do projeto como "político". Gostaria que o cronista me explicasse como se pode fazer uma obra de interesse público sem que tenha interesse "político". Acaso o interesse legítimo dos políticos é quando tratam de obras para os ricos? Acaso o ato político por excelência não é aquele que leva à gratidão do povo, e, por meio desta, à renovação ou à conquista de novos mandatos? Não é para servir ao povo que o político existe?

Não tenho a pretensão de que o projeto da Providência venha resolver todos os problemas das periferias do Rio. Esses problemas só serão resolvidos com desenvolvimento econômico acelerado que leve a uma situação de virtual pleno emprego. Ele é, porém, um projeto simbólico, embora com o pé na realidade. Sim, podemos começar a atacar o problema das periferias desde já, não resolvendo de forma absoluta, mas melhorando as condições de vida de quem está lá. Se isso me render votos, será porque o povo compreendeu que cumpri o meu dever.

MARCELO CRIVELLA é senador (PRB-RJ).