Título: Farra do Congresso
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Fonte: Correio Braziliense, 23/04/2009, Opinião, p. 26

Dar jeitinho constitui marca nacional. Trata-se de remendo que contorna o problema sem solucioná-lo. Jogada debaixo do tapete, a questão inicial não raro torna-se secundária diante da sucessão de fatos indesejáveis que gera. Os ganhos dos parlamentares servem de exemplo. A Constituição estabelece como teto o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal para o serviço público da União, estados e municípios. O montante, hoje, é de R$ 24.500.

Se aí está o máximo que se paga ao titular de um dos poderes da República, é justo que seja estendido aos demais. No caso, o presidente da República e os membros do Congresso Nacional. Não é, porém, o que ocorre. Deputados e senadores recebem R$ 16.512 mensais, quantia considerada insuficiente para fazer frente às despesas inerentes ao exercício do mandato.

Mentes engenhosas, em vez de atacar o problema, criaram paliativos generosos para evitar descontentamentos. Assim foi com a convocação extraordinária. Embora sem pauta que justificasse a interrupção do recesso parlamentar, o chamado a Brasília se impunha para engordar o contracheque. A prática vigeu até que a grita da sociedade impôs o fim da gastança sem retorno.

Outros recursos têm a mesma origem. Verba indenizatória e cota de passagem não passam de salário disfarçado. Com um agravante ¿ isento do Imposto de Renda. Sem controle, tornaram-se trens da alegria. Senadores e deputados gastam os recursos como bem entendem. Sem escrúpulos, contratam empresas próprias para serviços duvidosos, pagam telefonemas internacionais de filhos, passagens para namoradas e familiares, viagens para mulheres, filhos, amigos e cabos eleitorais. Em suma, fazem festa com o dinheiro dos contribuintes.

Outra vez a opinião pública se indignou. Depois de idas e vindas, outra vez a Câmara respondeu à pressão com paliativos. Manteve a cota de passagem, que poderá ser usada pelo parlamentar e assessores em viagens nacionais. As internacionais exigem justificativa para serem autorizadas. O crédito decorrente de sobras da cota retornará aos cofres da casa.

Desnecessário frisar que se trata de mais um jeitinho. Se a passagem se destina a trabalho, por que a Câmara não a emite? O setor competente tem os mecanismos de controle para evitar desvios que aviltam o mandato e desgastam o Legislativo. E, a fim de pôr um ponto final em artimanhas que se destinam a aumentar o subsídio do parlamentar, equipare-se o contracheque de deputados e senadores ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal.