Título: Suspeita sobre cúpula de Caracas
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 22/12/2007, O Mundo, p. 34

Documento envolve duas das mais altas autoridades da Venezuela no caso da mala.

Duas das mais altas autoridades da Venezuela estariam diretamente envolvidas na remessa clandestina de US$790 mil para Buenos Aires, em agosto passado, aparentemente como contribuição do governo de Hugo Chávez à campanha eleitoral de Cristina Kirchner. Uma delas é o vice-presidente venezuelano, Jorge Rodríguez. A outra é o chefe da Diretoria dos Serviços de Inteligência e Prevenção (Disip) do país, o general Henry Rangel Silva.

A participação desses personagens está descrita no documento contendo a acusação formal - por conspiração - contra quatro cidadãos venezuelanos e um uruguaio implicados no esquema, apresentada pelo departamento de Justiça dos Estados Unidos ao Tribunal Federal do Sul da Flórida. À exceção de um dos envolvidos - Antonio José Canchica Gómez, 37 anos, que seria agente da Disip e está foragido - os outros quatro estão detidos em Miami e ali serão julgados em breve.

Eles serão levados ao tribunal no próximo dia 28 para se declararem culpados ou inocentes. Até lá os quatro têm a oportunidade de fazer um acordo com a Justiça americana no sentido de cooperar com informações adicionais às já obtidas pelo FBI, a polícia federal americana. Nesse caso, eles poderiam ter aliviada a pena prevista para o seu caso, que é de dez anos de prisão mais uma multa de US$250 mil.

Curiosamente o indiciamento formal omite detalhes sobre a participação do empresário venezuelano-americano Guido Antonini, que seria o portador da mala com os dólares confiscada no aeroporto metropolitano de Buenos Aires. A sua extradição está sendo pedida pelo governo da Argentina, sob a acusação de contrabando. Ele, no entanto, está cooperando com as autoridades americanas há quatro meses e é improvável que seja extraditado.

Acusação não esclarece pontos importantes

Embora Antonini seja o pivô do escândalo, a acusação - apresentada a portas fechadas na última quinta-feira, e cuja transcrição foi liberada ontem - não esclarece, por exemplo, se havia alguma identificação sua na mala. O documento diz apenas que o dinheiro foi encontrado durante averiguação da bagagem dos oito passageiros que estavam a bordo de um jatinho. Além de Antonini estavam funcionários da PDVSA, a petroleira estatal venezuelana, e do governo argentino. Mas, na ocasião, a culpa foi jogada apenas sobre Antonini.

A Justiça americana também diz que ele estava em Caracas e foi convidado a viajar para a Argentina horas antes do embarque, sem dizer o motivo do convite, quem especificamente fizera tal convite, e tampouco se o empresário sabia da presença do dinheiro na bagagem. O documento, no entanto, contém detalhes que implicam diretamente o governo da Venezuela.

Ele registra, por exemplo, que dois dos cinco homens enviados a Miami para convencer Antonini a não revelar a origem e o destino do dinheiro lhe disseram num dos encontros - gravados pelo FBI - que eram emissários da Disip e do Ministério da Justiça da Venezuela, com a missão de lhe informar que "se Antonini dissesse que o dinheiro não era dele, seria perseguido pelo governo venezuelano". Um dos acusados, Franklin Durán, foi claro: "Pessoas na Venezuela e na Argentina querem que esse problema seja resolvido sem que a verdade venha à luz". E acrescentou: "Pode chegar um momento em que ninguém poderá salvar o seu pescoço".

Num telefonema, também gravado, outro acusado, Moisés Maionica, disse a Antonini que falara com o vice-presidente e com o diretor da Disip, e fora incumbido de marcar um encontro dele com um enviado especial da agência para resolver o caso. O documento menciona os cargos dos dois funcionários, sem no entanto registrar a sua identidade.

Maionica também avisou Antonini que ele receberia um telefonema de alguém que se apresentaria como "Arvelo". Em seguida ele revelou que se tratava de um codinome: a pessoa, na verdade, seria o chefe da Disip, o general Rangel.

Segundo o FBI, este de fato lhe telefonou duas vezes, dias 6 e 18 de novembro, para insistir que se tivesse que depor Antonini mantivesse a versão de que o dinheiro era dele, sem revelar o destinatário. No dia 11 de dezembro, Durán entregou a Antonini três documentos frios para ajudar a "comprovar" a origem do dinheiro.