Título: A mãe de todas as batalhas
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 23/12/2007, Opinião, p. 7

A responsabilidade fiscal é o mais importante pilar das políticas públicas. Inclusive, como apoio fundamental à política monetária que, sem seu concurso, perde largamente sua eficácia. Isso vale mesmo para países desenvolvidos. Em países altamente endividados como o Brasil, a poupança pública é muito mais do que isso: é também um instrumento de crescimento e sustentação de políticas sociais.

O esforço fiscal de longo prazo dá sustentabilidade e consistência a elas. Ao assegurar a estabilidade, permite o aumento do produto, da arrecadação e, assim, dos orçamentos para respaldar esses programas. Países endividados que desprezam a responsabilidade fiscal tendem ao desastre econômico.

O Plano Real foi iniciado, ainda no governo Itamar, respaldado em bom superávit primário. Já o primeiro governo FHC ancorou a estabilidade apenas no câmbio, com forte piora no resultado fiscal. E isso se refletiu na crise cambial de 1999 e na forte elevação da dívida pública. No segundo, o desempenho fiscal melhorou muito, reforçado pela aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que propiciou o início de um promissor ciclo de crescimento, só abortado em 2001 pela combinação de três eventos: a crise argentina, o apagão elétrico e o ataque ao World Trade Center.

No governo Lula, o esforço fiscal foi ampliado, resultando em enormes benefícios para a política monetária e para os programas sociais. Já se completam cinco anos de redução da dívida pública, uma conquista fundamental para a economia brasileira. A melhora da qualidade das políticas fiscal e monetária desenha, agora, o mais longo e consistente ciclo de crescimento da história recente. O bom momento da economia mundial ajudou, é verdade, mas os países que não fizeram a lição de casa colhem maus resultados.

O fim de ano trouxe, contudo, uma incerteza no campo das contas públicas: a não-renovação da CPMF pelo Senado. A arrecadação da CPMF quase equivale ao superávit federal dos últimos anos. E agora, José? Estavam certos os que alertavam sobre o perigo da não-prorrogação para o equilíbrio das contas públicas? Ou quem dizia que a arrecadação recorde dispensava a CPMF?

Os EUA viveram esse dilema na última transição de governo. Clinton terminara o mandato com enorme superávit, enquanto Bush se elegera prometendo reduzir impostos. Fizeram as contas e concluíram que, mesmo com a diminuição, o superávit permaneceria elevado. Mas esqueceram de contabilizar os efeitos da crise do setor PontoCom. O desastre foi total: as receitas despencaram, e os EUA entraram em profundo déficit fiscal, sem conseguir sair dele até hoje.

Isso pode ocorrer no Brasil? Não é provável. Primeiro, porque não há uma crise de ativos à vista, como lá. Segundo, porque nem os ministros Guido Mantega e Paulo Bernardo, nem o presidente Lula cogitam reduzir as metas fiscais, como declararam repetidas vezes. Nestes últimos anos, o governo tem cumprido com rigor as suas metas. Além disso, a Desvinculação de Receitas da União foi mantida pelo Senado, o que auxilia o esforço fiscal.

Mas a situação atual não é trivial. Ela exigirá um esforço enorme - do tamanho dos R$40 bilhões da CPMF - para que o compromisso do governo se realize. Há várias opções, algumas brutas e outras mais saudáveis. Será preciso cortar gastos que não comprometam áreas sensíveis como saúde, educação e segurança. O crescimento da arrecadação é bom aliado, mas se trata de um movimento cíclico e não permanente. Não é garantia de longo prazo.

Embora seja legal, recriar a CPMF não parece ser uma solução adequada. No curto prazo, o corte de gastos é a medida mais consistente. Mais a frente, uma abordagem mais ampla sobre a política tributária seria uma boa escolha. Afinal, já passou da hora de simplificar o sistema tributário.

O fim da CPMF é, sim, um risco. Mas, a melhor forma de enfrentá-lo é transformá-lo em oportunidade, fazendo uma faxina modernizadora nos tributos e garantindo a sustentabilidade de longo prazo das contas públicas. Esse é o primeiro desafio do próximo ano: bom 2008 para todos!

ANTONIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.