Título: Hora de virar a página
Autor: Alves, Garibaldi
Fonte: O Globo, 25/12/2007, Opinião, p. 7

É hora de virar a página e começar um tempo novo no Legislativo brasileiro. Se nos últimos anos a pauta política foi marcada por denúncias e escândalos que arranharam profundamente a credibilidade do Parlamento, 2008 oferece a oportunidade de resgatarmos o conceito, a representatividade e a força da instituição. Uma constatação que nos anima a enfrentar os desafios: não existe democracia nem perspectiva de um país mais justo, solidário e desenvolvido sem um Parlamento sólido e autônomo.

Calejada pela crise política, a sociedade exige austeridade, moralização e trabalho. Mais que um compromisso, essa é a obrigação da representação política, independentemente da coloração partidária de seus integrantes. Que ninguém, porém, espere mudanças repentinas, já que o tempo legislativo nem sempre acompanha a pressão da opinião pública. Ademais, decisões de maior impacto envolvem um longo exercício de articulação e negociação. Mas aos cidadãos impõe-se o direito de cobrar de seus representantes vontade e maturidade para a retomada do debate de grandes questões nacionais e, ainda, a garantia de uma atuação parlamentar regrada pela ética e pela transparência.

Atualizar o Regimento Interno do Senado é um primeiro passo. Basta lembrar a tensão gerada pela inexistência de normas do Conselho de Ética e a polêmica em torno das sessões secretas. O controle mais rigoroso das despesas da Casa se faz indispensável e até já começou pela contenção das viagens de assessores parlamentares e de convidados para audiências públicas. Fundamental, também, é a divulgação, pela internet, dos gastos com os R$15 mil mensais de verba indenizatória a que cada gabinete tem direito. Essa "caixa-preta" vai ser aberta a partir de janeiro.

Não podemos negar que, apesar do desgaste político, o Senado teve uma produção legislativa expressiva em 2007. Votamos grande quantidade de matérias e conquistamos avanços significativos, como as mudanças no Tribunal do Júri, o fim da prescrição retroativa e a instituição da absolvição sumária, que vão acelerar os processos judiciais. Na luta contra a violência, aprovamos penas mais duras para crimes hediondos, o monitoramento eletrônico de condenados e o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, entre outros projetos. A lei que combate a lavagem de dinheiro tornou-se mais rigorosa, assim como a punição dos crimes cometidos por autoridades.

Na área social e ambiental, merecem destaque a ampliação da licença-maternidade, a guarda compartilhada de filhos em caso de separação e a criação do Instituto Chico Mendes. No campo educacional, podemos citar a ampliação do Financiamento ao Estudante de Ensino Superior, a obrigatoriedade de inclusão digital e de atendimento médico nas escolas públicas.

A economia saiu ganhando com a aprovação de incentivos fiscais e fundos de investimentos para a área de infra-estrutura; a ampliação dos benefícios do Super Simples e a regulamentação das Zonas de Processamento das Exportações. Os prefeitos, enfim, puderam respirar aliviados com o aumento, mesmo pequeno, do Fundo de Participação de Municípios.

Ficamos devendo, no entanto, a aprovação de reformas estruturais . A polêmica em torno da prorrogação do imposto do cheque deixou evidente que não há como adiar mais o debate sobre a reforma tributária, indispensável para a retomada do desenvolvimento. A reforma política, por sua vez, é a alternativa para mudar um sistema político-eleitoral fragmentado e carcomido. É inaceitável que a regulamentação da fidelidade partidária só tenha sido votada depois que o Judiciário avançou, mais uma vez, nos espaços do Congresso Nacional.

Reafirmar a independência do Legislativo e o equilíbrio entre os três poderes é outro desafio para o próximo ano. Judiciário e Executivo não podem continuar exercendo um papel que cabe, constitucionalmente, ao Parlamento. É preciso apostar no diálogo e colocar um ponto final na edição abusiva de medidas provisórias. Retomar a votação dos vetos presidenciais paralisados no Congresso passa a ser também prioridade.

Respeito e transparência hão de ser os fios condutores da relação entre os três poderes. Não há mais espaço para negociações duvidosas. A derrubada da CPMF foi uma lição. Essa é a tarefa de casa que precisamos fazer para resgatar o prestígio da instituição política e reconquistar a confiança da opinião pública.

GARIBALDI ALVES é presidente do Senado Federal.

N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço na próxima semana.