Título: É hora de negociar um acordo com os EUA
Autor: Rzezinski, Henrique
Fonte: O Globo, 26/12/2007, Opinião, p. 7

O ano de 2007 marcou uma mudança significativa na qualidade e na intensidade das relações bilaterais entre o Brasil e os EUA. Os encontros entre os presidentes dos dois países, ao longo do ano, parecem ter avalizado uma agenda cuja relevância e prioridade para o Brasil são inquestionáveis. As iniciativas de cooperação na área de biocombustíveis, as negociações para a conclusão de um acordo para evitar a bitributação e a criação do Fórum de CEOs reunindo empresas de porte nos dois países são movimentos com vistas a uma parceria com alcance estratégico.

O Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (Cebeu) tem defendido a necessidade de levar as relações bilaterais a um novo patamar, conferindo-lhes um conteúdo estratégico. Nesse sentido, a evolução observada em 2007 é motivo de satisfação e estímulo para que se intensifiquem as ações nessa direção.

O diagnóstico que embasa a proposta de elevar o patamar do relacionamento bilateral foi formulado e apresentado à sociedade em meados de 2006, com base em trabalho de uma força-tarefa coordenada pelo Conselho e pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Partia-se da constatação de que, apesar de diversas iniciativas adotadas no âmbito bilateral nos últimos anos, havia um hiato expressivo entre, de um lado, a complexidade e a intensidade das relações econômicas entre os dois países e, de outro, a pouca prioridade concedida a essas relações em ambas as agendas externas.

Frente a essa constatação é que se propôs a adoção de uma agenda bilateral compatível com a realidade e o potencial das relações entre os dois países. Essa agenda deveria incluir temas que tenham cumulativamente três características:

1. sejam de natureza estratégica;

2. temas nos quais os dois países sejam atores relevantes no cenário pertinente, seja ele regional ou mundial; e

3. sejam temas em relação aos quais se possa formular uma hipótese realista e pragmática de cooperação levando a soluções win-win para os dois países.

Levando-se em consideração esses critérios e a necessidade de focar esforços em algumas questões-chave, elegeu-se como temas prioritários da agenda bilateral a negociação de um acordo comercial, a cooperação energética com ênfase em biocombustíveis, a negociação de um acordo para evitar a bitributação e a cooperação política na América do Sul.

Para que o tratamento dessa agenda viesse a gerar os resultados esperados, o Cebeu propôs que ela fosse gerenciada como um projeto relevante e integrado e recomendou a criação de mecanismo público-privado de monitoramento da implementação da agenda.

No corrente ano, dois temas incluídos em nossa agenda - a cooperação em biocombustíveis e a negociação do acordo para evitar a bitributação - ganharam status de prioridade na agenda bilateral. Além disso, a criação do Fórum de CEOs é a perfeita tradução da proposta de criação de um mecanismo para "empurrar" a agenda bilateral.

Portanto, para as relações bilaterais, o balanço do ano que se encaminha para o fim é altamente favorável. Há, como não poderia deixar de ser, questões importantes ainda pendentes. A negociação de um acordo comercial é talvez a principal delas. Abordar essa questão não é fácil: há notórias resistências a novos movimentos de liberalização comercial nos EUA e, no Brasil, muitos ainda identificam uma negociação com os EUA como o meio mais rápido de levar a soberania nacional ao cadafalso.

Indo além de visões simplistas, há que se reconhecer que a dimensão do mercado norte-americano, o seu dinamismo e a sua relevância como destino das exportações de produtos manufaturados fazem dos Estados Unidos uma prioridade absoluta em qualquer agenda negociadora. Além disso, os EUA aplicam tarifas elevadas para alguns produtos de grande interesse exportador brasileiro e têm sido muito ativos na negociação de acordos regionais. Alguns dos principais concorrentes brasileiros nos EUA se beneficiam de acesso preferencial obtido por acordos comerciais firmados com aquele país.

Apesar da complexidade da agenda e das notáveis divergências nas posições negociadoras dos dois países, posturas construtivas e a busca de "soluções de compromisso" permitiriam superar os principais entraves e fazer avançar um acordo comercial entre Brasil e Estados Unidos.

Ao abordar esse como outros temas da agenda bilateral, o essencial é "enquadrar" seu tratamento dentro de uma ótica estratégica. É esse tipo de visão que tem orientado as relações entre o Brasil e a União Européia - um acordo de "parceria estratégica" entre ambos foi firmado em julho último em Lisboa. Com os EUA, nosso principal parceiro individual em comércio e de investimentos, não poderia ser diferente.

HENRIQUE RZEZINSKI é presidente da Seção Brasileira do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos.