Título: Buracos sem fundos
Autor: Gripp, Alan; Farnco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 28/12/2007, O País, p. 3

Governo prevê investir R$7 bi em estradas em 2008, mas especialistas alertam que é pouco.

Um dos principais gargalos da infra-estrutura brasileira, as estradas federais poderão receber, em 2008, 24,7% mais investimentos do que neste ano, segundo o Ministério dos Transportes. Nos próximos 12 meses, o governo prevê gastar R$7,1 bilhões com a malha rodoviária federal, contra os R$5,67 bilhões reservados em 2007. Apesar da promessa, porém, entidades do setor e pesquisadores alertam que os recursos estão muito aquém do necessário para recuperar as rodovias. Acidentes de trânsito matam por ano cerca de 35 mil pessoas no Brasil.

O economista Raul Velloso avalia que o país deveria investir R$25 bilhões por ano em transportes para impedir que os buracos continuem no caminho do crescimento econômico.

- Nosso gasto com transportes já foi equivalente a 2% do PIB, nas décadas de 60 e 70, mas está na casa de 0,2% desde o início dos anos 90. Como conseqüência, o percentual de rodovias com avaliação de péssimo a regular continua igual nos últimos cinco anos - critica.

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) também questiona os planos do governo: a entidade defende investimento de R$50 bilhões nos próximos quatro anos nas rodovias.

- Reconhecemos que há um esforço do governo, mas ainda insuficiente. O aumento de investimento é sinal de que o governo acordou, mas não acompanha o ritmo dos países que crescem como a gente. Neste ano, a Índia investiu US$100 bilhões e a China, US$200 bilhões - diz o presidente da CNT, Clésio Andrade.

Raul Velloso lembra que, antes de avaliar as promessas do governo, é preciso saber se a reformulação do Orçamento manterá a previsão de aumento de gastos no setor. Segundo a direção do Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre (Dnit), a previsão do Palácio do Planalto é de que as obras "não sofrerão ajustes por causa do término da CPMF".

- Temo que o fim da CPMF leve o governo a cortar esses investimentos. Isso significaria abortar um movimento ainda tênue de recuperação das estradas - afirma o economista.

Concessões são caminho possível

O professor Paulo César Marques, do Programa de Pós-Graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB), classifica o aumento previsto para 2008 de razoável, porém insuficiente para resolver o problema das estradas.

- O país ainda está longe de garantir boas condições para toda a malha federal. O problema é que o governo não tem de onde tirar todo o dinheiro necessário para recuperar as estradas - afirma o especialista.

Marques defende o modelo de concessão de rodovias, mas lembra que, sem investimento público maciço, a tendência é a iniciativa privada só se interessar pelos trechos mais lucrativos. Para ele, basear os investimentos no modelo de privatizações agravaria a concentração de renda nas regiões com boa malha viária para escoar a produção. O professor diz ainda que o setor é refém de articulações políticas que definem a liberação de verbas.

- O diagnóstico é eficiente, mas a definição dos projetos que serão executados continua muito sujeita a pressões políticas, tanto das bancadas estaduais no Congresso como dos governadores - afirma Marques.

Segundo o Dnit, entre os investimentos previstos, R$2,7 bilhões serão gastos em obras de manutenção (tapa-buraco e recapeamento), R$2,4 bilhões em adequação (alargamento e mudança de traçado, por exemplo) e R$1,95 bilhão na construção de novos trechos.

Outro problema é a dificuldade para executar o orçamento. Falta de projetos, irregularidades detectadas por tribunais de contas e a demora para obter o licenciamento ambiental têm, invariavelmente, impedido o governo de gastar mesmo os recursos carimbados. Nesses casos, o dinheiro empenhado (reserva para gasto) acaba incluído nos chamados restos a pagar, artifício que adia o investimento para o ano seguinte.

- Por isso é que, na prática, o investimento previsto cai por terra. Este ano, o governo conseguiu liquidar por mais de R$2 bilhões. Tem muito empenho feito, mas muito ficará para o ano que vem. E isso se torna um ciclo vicioso. Há vontade, mas há também uma incapacidade de executar o orçamento - diz o presidente da CNT.

Em 2007, o Orçamento teve R$5,67 bilhões reservados para investimentos nas rodovias federais, sendo R$2,67 bilhões em manutenção, R$2,04 bilhões em adequação e R$1,12 bilhão em novas estradas.

De acordo com o Dnit, em 2008 estão programadas intervenções em 90% da malha rodoviária. Os recursos fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em dezembro, o setor foi beneficiado com o remanejamento de recursos feito pelo governo no PAC. Numa medida provisória editada no início do mês, na semana passada, foram remanejados R$486 milhões de recursos do orçamento dos Transportes. Uma das beneficiadas foi a obra do Arco Rodoviário do Rio, que ganhou R$91 milhões. Antes, a intervenção tinha dotação prevista de apenas R$9 milhões.

A situação das estradas é considerada crítica pela CNT. De acordo com o presidente da confederação, para se aproximar do ideal, a malha brasileira precisaria de obras em 30 mil quilômetros de rodovias. Outros 13 mil quilômetros precisam ser duplicados, segundo a entidade. Clésio Andrade acredita que uma das saídas pode ser fazer novas concessões de trechos para a iniciativa privada:

- Esse é o grande caminho. Temos uns cinco mil quilômetros em que a concessão é economicamente viável.