Título: Morte de Benazir põe Paquistão em convulsão
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Fonte: O Globo, 28/12/2007, O Mundo, p. 24

Partidários de ex-premier reagem com violência a assassinato.

RAWALPINDI, Paquistão

O Paquistão foi tomado ontem à noite por protestos violentos que ameaçam lançar o país, que possui armas nucleares e luta contra grupos radicais islâmicos ligados à al-Qaeda, no caos. Os distúrbios foram uma reação ao assassinato, ontem à tarde, da ex-primeiro-ministra e política mais popular do país, Benazir Bhutto, que era a favorita para voltar ao cargo nas eleições marcadas para 8 de janeiro.

Um homem não identificado atirou pelo menos duas vezes em Benazir e em seguida detonou os explosivos que levava junto ao corpo, matando a ex-premier e pelo menos outras 15 pessoas. Ela estava deixando o parque de Rawalpindi, cidade da periferia da capital, Islamabad, onde acabara de discursar num comício do Partido Popular do Paquistão (PPP), do qual era líder. No caos que se espalhou pelo país, 14 partidários dela morreram em confrontos com policiais.

- Ela estava dentro do carro que deixava o parque, depois de ter falado no comício. Alguns jovens começaram a cantar slogans a favor dela. Aí eu vi uma Bhutto sorridente saindo do teto do carro e respondendo aos slogans - descreveu Sardar Qamar Hayyat, um dirigente do PPP que estava a cerca de dez metros de Benazir no momento do atentado. - Então eu vi um jovem magro saltando em direção ao veículo, vindo por trás dele. Ele abriu fogo. Momentos depois, vi o carro dela acelerando, indo embora. Foi quando escutei uma explosão e caí.

Ela foi levada ainda com vida para um hospital, mas não resistiu. Tinha marcas de balas e de estilhaços. Versões não confirmadas diziam ontem que o tiro que ela recebera no pescoço fora o que provocara sua morte.

Minutos antes do ataque, Benazir afirmou diante de milhares de seguidores que a ouviam no comício que sabia correr risco de vida ao participar da campanha eleitoral.

- Coloquei minha vida em risco e vim aqui porque senti que este país está em perigo. Tiraremos o país desta crise - disse ela.

Musharraf acusa radicais islâmicos

Ninguém assumiu o ataque, o que colaborou para aumentar a tensão política neste país extremamente dividido. O presidente Pervez Musharraf, general que comanda o governo desde que chegou ao poder num golpe de Estado em 1999, acusou os grupos radicais islâmicos ligados à al-Qaeda e ao Talibã. Já os partidários da líder assassinada afirmam que o governo foi o responsável pela morte.

- Assim como há elementos do Talibã e da al-Qaeda (que podem ser os assassinos), há muitos outros candidatos. Há pessoas dentro das Forças Armadas e dentro dos serviços de inteligência que nunca tiveram boas relações com Bhutto - afirmou o analista M.J. Gohel.

Musharraf, que descreveu o atentado como uma "grande tragédia nacional", decretou três dias de luto. E acusou os terroristas islâmicos.

- Isso é um trabalho desses terroristas com os quais estamos em guerra - disse ele, num discurso transmitido pela TV estatal, antes de se encontrar com seus principais assessores para uma reunião de emergência. - Hoje, após este trágico incidente, quero expressar minha firme resolução de que não descansaremos até eliminarmos esses terroristas.

O presidente não decretou estado de emergência, que esteve em vigor por seis semanas até o mês passado, nem mencionou as eleições gerais de 8 de janeiro, que poderiam ser adiadas.

Os principais distúrbios ocorreram em Karachi, principal cidade da província de Sindh, berço político da família Bhutto. Tiroteios entre partidários de Benazir e policiais deixaram pelo menos dez mortos. Delegacias de polícia foram atacadas, postos de gasolina e carros foram incendiados, enquanto ruas eram bloqueadas por manifestantes que queimavam pneus.

Em pelo menos outras duas cidades de Sindh, Tando Allahyar e Khairpur, houve mortos em confrontos entre policiais e militantes do PPP. Cenas parecidas, porém, podiam ser vistas em quase todo o país, apesar de o governo ter colocado as forças de segurança em "alerta vermelho". Em Lahore, dois manifestantes morreram. Grandes protestos ocorreram em cidades como Peshawar, Hyderabad e Rawalpindi. Em Islamabad, os distúrbios começaram assim que foi confirmada a morte de Benazir, às 18h16m.

- Estou inclinado a dizer que esta é a pior convergência de crises que já vimos - disse Farzana Shaikh, do grupo de análise Casa Chatham, de Londres.

Opositor anuncia boicote a eleição

Horas antes do ataque a Benazir, o ex-primeiro-ministro Nawaz Shariff, líder do segundo maior partido de oposição ao regime de Musharraf, também fora alvo de um atentado durante um comício. Homens atiraram contra o palanque em que ele subiria minutos depois, matando quatro pessoas.

Shariff, inimigo político não só de Musharraf e dos radicais islâmicos, mas também do partido de Benazir, anunciou que seu partido irá boicotar as eleições de 8 de janeiro, caso elas sejam mantidas. Além disso, exigiu a renúncia do presidente Musharraf.

- Eleições livres e justas são impossíveis com Musharraf no poder. Ele é a origem de todos os problemas - disse Shariff, que era premier em 1999, quando foi deposto pelo atual presidente num golpe.

Benazir fora premier duas vezes, entre 1988 e 1990, e de 1993 a 1995, sendo deposta nas duas oportunidades. Em 1999, ela deixou o país dias antes de ser condenada por corrupção pelo governo militar.

Depois de oito anos de exílio, voltou ao país em 18 de outubro, depois de ter as acusações retiradas. No dia em que chegou, uma passeata comandada por ela em Karachi foi alvo de homens-bomba, que mataram quase 150 pessoas. Ela saiu ilesa do ataque.

Desde então, ela tem feito campanha contra os radicais islâmicos e Musharraf. Chegou a ser mantida em prisão domiciliar pelo governo, que disse fazer aquilo para impedir um comício que ela faria na mesma cidade em que ela morreu ontem, Rawalpindi, por medida de segurança.

O comício de ontem foi a primeira aparição pública de Benazir na cidade. Seu assassinato ocorreu perto do local em que seu pai, o ex-premier Zulfikar Ali Bhutto, foi enforcado, em 1979, pelo governo que o depusera.

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