Título: Vem muita gente ao Brasil roubar tecnologia
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 31/12/2007, O País, p. 4

Ministro diz que Abin quer fazer escuta telefônica para investigar casos de espionagem industrial e sabotagem.

BRASÍLIA. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), herdeira do temido Serviço Nacional de Informações (SNI), quer garantir em lei a possibilidade de fazer escuta telefônica e ambiental, com autorização judicial, para investigar ameaças terroristas, sabotagem e espionagem industrial. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix, diz que grandes empresas brasileiras, como a Petrobras e a Embraer, são alvo freqüente de ataques de hackers interessados em informações estratégicas de bilhões de dólares. Segundo ele, é urgente dar à Abin um poder hoje restrito à Polícia Federal.

Para Jorge Félix, está na hora de parar de olhar os erros do antigo SNI e pensar com realismo na guerra comercial internacional. O general conta que estrangeiros já foram flagrados com planos de espalhar pragas em plantações agrícolas no Brasil.

Jailton de Carvalho

No regime militar, o SNI mantinha núcleos dentro dos ministérios. Agora, são os órgãos do governo que vão ter escritórios dentro da Abin. Qual a diferença entre um sistema e outro?

JORGE FÉLIX: Essas agências eram ligadas diretamente ao Serviço Nacional de Informações. Faziam parte do SNI. As estruturas que queremos montar são diferentes. Um pedacinho da inteligência da Polícia Federal vai destacar alguém para ficar ali. Quando houver um tema de interesse comum, ela vai colaborar colocando as informações à disposição de todo o grupo. Evidentemente, as que puderem ser fornecidas. O grupo vai se valer das informações de todos os integrantes do sistema para criar um quadro mais realista. Mas não tem nenhum nível de subordinação.

A Abin vai ter acesso a grande volume de informações. Qual a garantia de que essas informações não serão usadas contra direitos individuais?

FÉLIX: Não tem nada a ver. Temos um órgão de controle externo, a Comissão de Controle da Atividade de Inteligência (do Congresso). O objetivo é controlar as atividades da Abin e de todo o sistema de inteligência. Temos os outros órgãos de controle da parte financeira. A própria Presidência faz o primeiro controle. O outro é feito pelo Tribunal de Contas da União.

O projeto para permitir a escuta telefônica com autorização judicial já está pronto? Quando será enviado ao Congresso?

FÉLIX: Já temos uma proposta, mas ainda precisa ser discutida pela área política do governo, para ver a viabilidade política, e pela área legal. Quando a área política decidir, se vai mandar ou não, nós queremos que o projeto de lei seja discutido exaustivamente no Congresso. Já conversei diversas vezes com o presidente sobre isso. Que a escuta seja sempre com autorização judicial. Imaginamos que essa autorização não fique na primeira instância, mas no Superior Tribunal de Justiça.

Por que a Abin precisa fazer escuta telefônica?

FÉLIX: Somos líderes na agropecuária no mundo graças ao desenvolvimento de tecnologia, que é objeto de interesse de todo mundo. Temos que proteger isso. Vem muita gente aqui para roubar tecnologia. Temos diversas empresas estratégicas. A Embraer é uma delas. É uma das empresas mais atacadas por hackers no Brasil. Fazemos a parte da segurança da informação. A Petrobras é a líder em prospecção em águas profundas.

Mas ela é atacada por pessoas que estão interessadas em informações específicas?

FÉLIX: São pessoas, são empresas, são governos.

Que estão interessados em informações estratégicas?

FÉLIX: Claro. Valem bilhões de dólares, de euros.

Já foram identificados esses grupos?

FÉLIX: Inúmeras vezes.

Quem são?

FÉLIX: Às vezes chegam pessoas ao Brasil, a gente sabe que elas têm determinados interesses. Esse é um aspecto. Mas tem a sabotagem também. Somos os líderes de produção, no comércio de carne. Somos um dos dois líderes do comércio de aves no mundo. O cara chega aqui e espalha uma praga, você perde bilhões de dólares. Depois que perde o mercado, não volta.

Já foi detectado algum caso de pessoas tentando fazer sabotagem na agricultura?

FÉLIX: Vários.

Pode citar um caso?

FÉLIX: Um exemplo: a cada vez que temos um lançamento em Alcântara, a quantidade de estrangeiros que acorre para o Maranhão é fantástica. Navios vão lá e ficam ali na baía com os sensores ligados. Ninguém brinca em serviço. O mundo todo é profissional. Temos que ser profissionais também. São estes os casos que queremos fazer a escuta telefônica. Isso não fere direito de cidadão brasileiro.

Para entrar na guerra comercial internacional?

FÉLIX: É uma guerra industrial, comercial, de posição no mundo. As pessoas ficam olhando para a coisa que aconteceu há 20, 30 anos e esquecem que temos que olhar para frente. Temos que nos defender.

Tivemos informações de que pelo menos quatro brasileiros já teriam sido mortos em ações terroristas no exterior. Isso é verdade?

FÉLIX: Nós acompanhamos. Às vezes o conceito de brasileiro é relativo. São pessoas que têm cidadania brasileira, mas viveram muito pouco no Brasil ou nem viveram. Têm a cidadania brasileira por serem filhos de brasileiros e passaram a sua vida praticamente toda no exterior. São cidadãos brasileiros, mas o seu vínculo com o Brasil é muito superficial. Não tem a cultura brasileira. São brasileiros de passaporte.

Os comandantes militares estão reivindicando mais verbas para a compra de aviões, armas e relacionam a Venezuela como possível ameaça.

FÉLIX: Não necessariamente. Você que está dizendo que os comandantes põem a Venezuela como possível ameaça. Não considero que isso seja real.

Eles dizem que o Brasil precisa aumentar a força de sua máquina de guerra porque a da Venezuela e de outros países estão aumentando.

FÉLIX: Não é por aí. O Brasil precisa porque precisa de capacidade de dissuasão proporcionada pelas Forças Armadas à altura da dimensão dele no mundo de hoje. Isso não tem nada a ver com Venezuela.

A Venezuela representa alguma ameaça?

FÉLIX: Não.

Por que?

FÉLIX: Esse é um processo normal de atualização de equipamentos, de armamentos. Assim como a Venezuela está fazendo, o Chile está fazendo num grau bastante elevado. O Peru. A Colômbia tem feito. Alguns com recursos próprios. Outros com com apoio externo. A Venezuela está fazendo as compras de equipamentos que, na nossa avaliação, são defensivos. São submarinos, mísseis, aeronaves, muito modernas. O que temos que preocupar é conosco. O governo está num processo forte de integração sul-americana. Pretendemos que nossas fronteiras sejam linhas de aproximação e não de separação. A medida que esse processo caminho, o risco de confronto vai ser cada vez menor.

Mas o senhor acha que o Brasil precisa ampliar sua força ou o tamanho atual é suficiente?

FÉLIX: O Brasil tem que ter Forças Armadas compatíveis com o que tem no mundo e ter capacidade de dissuadir qualquer tipo de aventura aqui ou fora daqui. Temos aí a área do petróleo.

Isso significa então que teria que aumentar?

FÉLIX: Nós temos que modernizar as nossas Forças Armadas. Temos equipamentos cinquentenários. O Exército usa canhões da Segunda Guerra Mundial, que acabou há 52 anos. Estamos muito atrás do mundo, até do sul-americano.