Título: Eficiência
Autor: Catão, Marcos André Vinhas
Fonte: O Globo, 31/12/2007, Opinião, p. 7

Embora seja discutível a real necessidade de recomposição do caixa do tesouro com a perda da arrecadação da CPMF (R$40 bilhões) vis-à-vis o superávit fiscal que será alcançado em 2007 (aproximadamente R$47,5 bilhões), é possível reequilibrar o orçamento por uma terceira via. De fato, ao lado da tradicional fórmula de aumento de outros tributos ou da anunciada redução de gastos e investimentos - pouco provável em um ano de eleições -, o governo federal pode se valer de outra medida.

Essa terceira via implica a rápida reformulação da forma de cobrança e de solução de conflitos entre Fazenda pública e contribuintes. Só na manga da camisa da União federal se encontram hoje R$600 bilhões em pendências que não vêm sendo transformadas em arrecadação efetiva pela pouca eficiência com que são cobradas/resolvidas as discussões de natureza fiscal.

Essa falta de eficiência e morosidade na cobrança do tributo desenvolve, ademais, um ambiente extremamente pernicioso para o país, e que guarda uma relação de causa e efeito sob três aspectos: alimentam o mau pagador (sonegação) que se escuda na morosidade (um processo de cobrança/discussão de tributo demora em média 7 anos); estimula uma competição pouco sadia (vantagem competitiva daquele que não recolhe tributos); e prejudica as empresas e pessoas que legitimamente contestam uma cobrança indevida, em virtude das restrições para o regular exercer da atividade econômica (falta de certidões e inscrição em cadastro de devedores como Serasa).

O final da trama, então, não poderia ser diferente: como a cobrança é ineficiente, aumenta-se a tributação daqueles que já pagam, voltando-se, como em um looping, à velha história do sistema ineficiente, irracional e injusto.

Para se ter uma idéia do quadro atual, no âmbito da Justiça Federal, onde se dá a cobrança de tributos da União, cerca de 90% dos processos se encontram na prática sem andamento, seja por não se encontrar o devedor, seja porque este, quando encontrado, já se desfez de seus bens. Se transportássemos este cenário para o setor privado, dá para imaginar o que seria de uma empresa que não consegue cobrar ou realizar 90% de suas receitas, a exemplo do que corre na prática com o Estado brasileiro.

Pois bem. A monolítica discussão sobre a aprovação da CPMF atrasou a discussão e o envio ao Congresso de dois projetos de lei que poderiam em curto prazo modificar o atual status quo.

O primeiro desses projetos alteraria nossa ultrapassada Lei de Execução Fiscal, datada de 1.980. A Lei de Execução estipula um rito extremamente complexo e moroso para se encontrar o devedor, localizar bens, fazer a penhora e julgar a defesa do executado. Ou seja, permite a procrastinação do pagamento pelo mau pagador em virtude do excesso de processualismo e oprime as empresas e pessoas que não ocultam o seu patrimônio.

O segundo projeto introduz o que se chama de arbitragem tributária. Esse modelo é hoje uma realidade exitosa em outros países. Nos últimos anos, Espanha, Itália e Estados Unidos se valeram do modelo arbitral para alcançar a diminuição do grau de conflito e o aumento de arrecadação. A arbitragem permite fazer com que Fazenda Pública e contribuinte cheguem a um consenso sobre cada situação onde exista conflito sobre a interpretação da lei, evitando-se a formação de longo e custoso processo administrativo e/ou judicial.

Em suma, embora muito se fale da quantidade de tributos e da alta carga tributária, pouco se fala sobre a forma pela qual o Estado cobra seus tributos. Essa discussão foi e ainda é prioritária em outros países, mas por aqui acabamos ficando sempre limitados à utópica visão de um sistema tributário perfeito e que não gera conflitos, cenário que não se materializa nem mesmo em países mais desenvolvidos. Neste momento de perda da CPMF, é mais rápido, eficiente e justo modificar o atual mecanismo, para que assim o Estado possa cobrar de forma mais rápida, eficiente e justa seus tributos. Esse é um pressuposto para qualquer sistema tributário sadio, e, conseqüentemente, para uma economia competitiva e uma sociedade justa e igualitária.

MARCOS ANDRÉ VINHAS CATÃO é professor da FGV-Rio.