Título: Resgate ameaçado na Colômbia
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Fonte: O Globo, 31/12/2007, O Mundo, p. 19

Libertação de reféns é adiada pelo segundo dia consecutivo e Chávez já fala em cancelamento.

VILLAVICENCIO, Colômbia

O atraso de mais um dia na libertação de três reféns pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) deixou ontem os governos colombiano e venezuelano e os parentes dos seqüestrados em suspense e aumentou o temor de que a operação seja um fracasso. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chegou a dizer que "uma conspiração americana em curso" poderia adiar ou mesmo cancelar a operação de resgate. As Farc prometeram libertar a ex-assessora de Ingrid Betancourt Clara Rojas, seu filho Emmanuel, nascido no cativeiro, e a ex-parlamentar Consuelo González.

- Os Estados Unidos têm aviões de última geração, espiões e satélites em ação na região e estão pressionando alguns colombianos. Esperamos que a entrega dos reféns seja feita até amanhã (hoje), mas esse problema pode fazer com que a operação seja adiada ou mesmo cancelada - disse o presidente.

O dia foi de informações confusas sobre o que poderia acontecer. Os helicópteros que levarão a comissão internacional ao local indicado pela guerrilha ficaram prontos para decolar do aeroporto de Villavicencio durante todo o dia, mas as coordenadas não foram repassadas pelas Farc, apesar dos rumores de que o coordenador da missão, o ex-ministro do Interior venezuelano Ramón Rodríguez Chacín, já tinha conhecimento do local. Chacín só chegou à Colômbia à tarde, sem a localização para o resgate.

- Só estamos esperando as coordenadas para iniciarmos a terceira fase da operação. Mas não sabemos quando isso vai acontecer, apenas de que não deve ser hoje. Tenho confiança no êxito da operação nos próximos dias. É preciso entender que a patrulha (das Farc) que leva os reféns precisa tomar uma série de precauções. Tenhamos fé, paciência e nervos de aço - disse antes de embarcar para Villavicencio.

Farc atacam Exército colombiano

Em Paris, o comitê pela libertação da ex-senadora Ingrid Bentancourt - que tem cidadania francesa e não está entre os três reféns que deverão ser libertados - afirmou ter medo de que o Exército colombiano esteja planejando ou executando uma operação para prender os guerrilheiros durante a missão.

"Uma ação do Exército colombiano poderia ter consequências desastrosas para os reféns e temos medo que os militares tenham uma estratégia não revelada", disse o comitê em nota.

Em meio ao medo de uma ação de militares colombianos, rebeldes esquerdistas dispararam ontem um míssil contra um avião militar em um aeroporto da cidade de Neiva, mas a aeronave não foi atingida, informou a Força Aérea Colombiana. O avião Hércules C-130 da Força Aérea Colombiana, com mais de 50 militares a bordo, entre tripulantes e passageiros, transitava pela pista do aeroporto quando foi atacado.

O governo colombiano, no entanto, disse que o incidente não tem relação com o resgate de reféns e negou que qualquer tipo de operação paralela ou pressão externa esteja sendo feita em relação ao resgate.

- Não estamos sofrendo qualquer tipo de pressão externa sobre a operação. O governo colombiano é soberano e age neste caso conforme seu próprio pensamento. Também afirmo que nenhuma outra operação militar está em curso - disse o alto comissário colombiano para a paz, Luis Carlos Restrepo.

A operação de resgate atende à decisão das Farc, que decidiram libertar os reféns como um "ato de desagravo" ao presidente Chávez.

Os três reféns fazem parte de um grupo de 45 pessoas seqüestradas que a guerrilha colombiana pretendia trocar por cerca de 500 guerrilheiros presos. As negociações do acordo foram paralisadas desde que o presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, determinou que Chávez deixasse a mediação. Clara Rojas foi seqüestrada pelas Farc com a então candidata à Presidência da Colômbia Ingrid Bentancourt em fevereiro de 2002. Já Consuelo González foi capturada em 2001. Os reféns, segundo relatos da guerrilha, estão bem de saúde.

A comissão internacional que participa da operação de resgate e aguarda um sinal verde das Farc está hospedada em um hotel próximo ao aeroporto de Villavicencio, segundo afirmaram autoridades colombianas. Estão no grupo o assessor especial da Presidência do Brasil, Marco Aurélio Garcia, e o diplomata brasileiro Hélio Cardoso, o ex-presidente argentino Néstor Kirchner e representantes dos governos de Bolívia, Cuba, Equador, França e Suíça. Segundo o Itamaraty, as autoridades brasileiras não têm previsão de retorno ao país.

No grupo também está o cineasta americano Oliver Stone, que planeja filmar a libertação dos reféns e só ontem obteve autorização da guerrilha e dos governos venezuelano e colombiano para a filmagem.

Stone e o cinegrafista argentino Carlos Marcovich são as únicas pessoas autorizadas a participar da missão de resgate com câmeras. O material deverá ser usado em seu futuro documentário sobre a América Latina.

Ontem, a oposição venezuelana fez críticas à participação de Hugo Chávez na operação.

- O presidente deveria estar mais preocupado com os problemas de seu país - disse o líder do partido Primeiro Justiça, Julio Borges.