Título: Lupa na conta corrente
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 29/12/2007, Economia, p. 21

Bancos terão de enviar à Receita dados de quem movimentar mais de R$5 mil em 6 meses.

Sem a ajuda da CPMF para combater a sonegação, a Receita Federal editou ontem novas regras para controlar a movimentação financeira dos contribuintes. O mecanismo - implementado pela instrução normativa 802 - determina que, a partir de janeiro de 2008, os bancos repassem semestralmente ao Fisco os dados dos contribuintes que movimentem, em seis meses, mais do que R$5 mil, no caso das pessoas físicas, e R$10 mil, no caso das empresas, em um ou mais tipos de transação (saque, investimento etc.). Isso vale tanto para as operações sobre as quais a contribuição ainda incide quanto aquelas isentas, como as vinculadas à caderneta de poupança.

Entre as transações estão depósitos e saques em conta corrente e poupança; pagamentos e débitos vinculados à conta; operações de compra e venda de títulos de renda fixa ou variável, com cartões de crédito e de arrendamento mercantil; aplicações em fundos; aquisições de moeda estrangeira; etc. O governo alega que criou o novo instrumento para não abrir espaço aos sonegadores, uma vez que a CPMF era essencial no combate às fraudes.

- O novo instrumento é mais abrangente - admitiu o coordenador-geral de Fiscalização da Receita Federal, Marcelo Fisch.

A partir de agora, o Fisco chegará ao mesmo valor de movimentação obtido com a CPMF, mas com um mapa mais claro de como ela se deu. Fisch lembrou que, graças à CPMF, a Receita autuou 20 mil contribuintes, entre pessoas físicas e jurídicas, em R$43 bilhões, de 2001 até agora. Pelas novas regras, se os depósitos em conta de um contribuinte ficarem em R$5 mil ou mais num semestre, o banco vai informar à Receita. Além disso, a instituição repassará toda a movimentação dessa pessoa em outras operações, mesmo que sejam inferiores a R$5 mil.

OAB diz que medida fere a Constituição

Com isso, na prática, os fiscais terão acesso à movimentação até mesmo de quem ganha em torno de mil reais por mês. Fisch explicou, porém, que esse controle evita que um sonegador dilua sua movimentação em várias operações de baixo valor para tentar burlar a fiscalização. Ele negou ainda que a amplitude da medida tenha custos adicionais para os bancos.

- A movimentação financeira da CPMF é enviada à Receita trimestralmente. Esse controle agora será semestral - disse o coordenador.

Fisch também refutou o argumento de que o controle signifique quebra de sigilo bancário. Segundo ele, a Receita receberá o montante global, sem acesso a detalhes como de que forma o contribuinte usou o cartão de crédito, por exemplo.

Isso só ocorre, segundo o coordenador, a partir do momento em que a Receita verifica alguma discrepância entre os dados e instaura um procedimento de fiscalização contra a pessoa ou empresa. Houve casos, por exemplo, em que um contribuinte se declarou isento, mas teve movimentação financeira de R$10 milhões. Ele teve de ser chamado para explicar sua situação.

O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Vladimir Rossi Lourenço, no entanto, alega que a medida fere a Constituição, que garante o sigilo bancário.

- A Receita não pode criar um instrumento apenas para controlar a vida dos contribuintes como se todo mundo fosse sonegador - disse Lourenço, lembrando que o acesso aos dados bancários só pode se dar depois que um procedimento fiscal já estiver instaurado.

Ele disse que o assunto deve ser levado à próxima reunião do Conselho Federal da Ordem no início de 2008 e que entre as medidas que poderiam ser adotadas estão uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ou um mandado de segurança coletivo.