Título: E o mundo cresceu
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 29/12/2007, Economia, p. 22

A economia americana está em desaceleração e pode até ter recessão em 2008. Mas 2007 foi um ano surpreendente. O mundo todo cresceu, com a exceção de um país. Os economistas passaram a usar um novo conceito: o decoupling, para definir o fenômeno de o mundo em desenvolvimento continuar crescendo apesar da desaceleração dos desenvolvidos. Será possível manter essa separação?

Este é o mistério do mundo no ano que vem. Mas este ano foi impressionante, porque o crescimento se espalhou. A África, sempre retardatária, registrou números espantosos, como os 23% de Angola ou os 10% da Etiópia e 11% do Sudão. Há muito mais países com crescimento acima de 3% na África que países com crescimento de zero a 3%. O único africano que encolheu em 2007 foi o Zimbábue, de Robert Mugabe. Em recessão há sete anos e com hiperinflação, paga o preço de uma ditadura interminável e dos erros cometidos no processo de transferência de poder aos negros. Em vez da conciliação que Nelson Mandela buscou, Mugabe promoveu a destruição da estrutura econômica controlada pelos brancos. O país regrediu e perde uma oportunidade histórica. Outro inesperado: o Afeganistão cresce 13%.

Mais detalhes sobre esse panorama no IMF Data Mapper (www.imf.org/external/datamapper/index.php). Com o cursor, passeando pelos países, se vê como o ano foi de crescimento generalizado. Na América do Sul, o único país com crescimento baixo, de 2,7%, foi o Equador. A propósito: governado por um economista, Rafael Correa.

O gráfico, também do FMI, mostra a separação entre o ritmo de crescimento dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento. É o decoupling, o descolamento. Mas será possível descolar-se da maior economia do planeta?

Os Estados Unidos estão ficando relativamente menores do que já foram em relação ao PIB mundial, em compensação, os países em desenvolvimento estão se tornando mais relevantes para determinar o crescimento do PIB. Um relatório recentemente divulgado pelo Banco Mundial mostrou que, quando a conta do produto é feita em PPP (Purchasing Power Parity, tratamento estatístico que transforma o dólar na capacidade de compra local), a China é o segundo maior país do mundo; o Brasil, o sexto, empatado com a Inglaterra.

O relatório mostra a concentração do crescimento: 12 países são responsáveis por mais de dois terços do produto mundial. O Brasil é a metade da América do Sul. Os EUA representam a maior parte dos investimentos: 21% do total. São seguidos de perto pela China, com 18%.

Há cinco anos, os Estados Unidos eram responsáveis por 19% das importações mundiais; hoje são 14%. Ficaram relativamente menos importantes, mas ainda são os grandes do mundo. As perguntas de 2008 são: qual o tamanho da desaceleração americana? O descolamento realmente existe e os países emergentes conseguirão evitar um impacto global?

Os analistas estão divididos, mas aumenta a corrente dos que acham que os EUA não sairão da crise sem uma recessão que, na medida clássica, é igual a dois trimestres, pelo menos, de produto negativo.

O melhor momento passou. O mundo cresceu forte de 2001 a 2007 e, este ano, ainda houve essa coincidência feliz de todos os países - exceto Zimbábue - terem tido bons números de crescimento. O Brasil, que teve o seu melhor ano recente, não teve um desempenho assim tão bom quando comparado com a média dos emergentes. Nossos prováveis 5,3% são bons, mas a verdade é que os países emergentes e os outros em desenvolvimento cresceram 8%, em média. Nós ficamos na média do mundo, que está prevista para terminar em 5,2%. A média é boa para quem andava na metade inferior, mas não é de se soltar fogos. Até porque o país não aproveitou a onda para remover os obstáculos ao crescimento mais forte e mais duradouro.

De qualquer forma, andar com o cursor do mouse no mapa do FMI e ver todos os países crescendo é animador. Alguns números estão defasados, mas a tendência é essa mesmo. Houve anos em que crescia uma parte do mundo, e a América Latina encolhia; ou a maior parte do mundo crescia, e a África continuava seu regresso. Ou era a longa estagnação do Japão ou a Europa na linha-d"água. O ano de 2007 foi o ano em que o mundo cresceu por inteiro.