Título: Al-Qaeda por trás de ataque
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Fonte: O Globo, 29/12/2007, O Mundo, p. 26

TRAGÉDIA ANUNCIADA

Governo paquistanês identifica terroristas que mataram ex-premier Benazir. Violência mata 31.

ISLAMABAD

Ogoverno do Paquistão acusou ontem a rede al-Qaeda pelo assassinato da líder oposicionista Benazir Bhutto, num atentado que matou também 28 pessoas, quinta-feira, no Paquistão. As informações vieram no dia em que dezenas de milhares de pessoas participaram, emocionadas, do enterro da ex-primeira-ministra, e enquanto o país era tomado pela maior onda de violência de rua em anos. Mas a notícia que mais surpreendeu a todos foi a revelação, pelo governo, de que Benazir não teria morrido em virtude dos tiros disparados contra ela ou pela explosão do homem-bomba, mas por ter dado uma pancada com a cabeça no teto-solar de seu carro.

O ministro do Interior do Paquistão, Hamid Nawaz, afirmou ontem que o governo conta com "evidências de que a al-Qaeda e o Talibã estiveram por trás do ataque suicida contra Benazir Bhutto". Pouco depois, o porta-voz do Ministério do Interior, Javed Iqbal Cheema, convocou uma entrevista coletiva na qual acusou diretamente Baitullah Mehsud, um "líder da al-Qaeda" que lidera grupos islâmicos radicais na região do Waziristão do Sul, na fronteira com o Afeganistão. Segundo ele, o governo interceptou uma conversa entre ele e outro terrorista.

- Temos interceptações telefônicas realizadas por nossa inteligência que indicam que o líder da al-Qaeda Baitullah Mehsud está por trás do assassinato dela (Benazir). Mehsud felicitou seu pessoal por ter realizado esse ato covarde - disse Cheema.

Ele apresentou uma gravação de uma conversa telefônica, na qual supostamente Mehsud fala com Maulvi Sahib, outro integrante da al-Qaeda.

- Parabéns, eu acabo de voltar hoje à noite - diz Sahib.

- Parabéns a você. Foram nossos homens? - pergunta a pessoa identificada como Mehsud pelo governo.

- Sim, eram nossos - responde Sahib, que diz à pessoa que chama de "chefe" que os responsáveis foram "Saeed, Bilal de Badar e Ikramullah".

- Foi um esforço formidável. Os que a mataram são bons - diz Mehsud.

Governo acusado de falta de proteção

Mehsud é considerado um dos mais perigosos dirigentes radicais do Paquistão. Quando foi anunciada a data da volta de Benazir ao país, 18 de outubro, alguns jornais publicaram que o terrorista afirmara a seus seguidores, ironicamente, que seu grupo "daria as boas vindas a ela". No dia em que ex-premier voltou ao Paquistão, dois homens-bomba atacaram uma passeata liderada por ela em Karachi, matando quase 150 pessoas.

Dirigentes do Partido Popular do Paquistão (PPP), a legenda de Benazir, reagiram com desconfiança às afirmações das autoridades.

- O governo está nervoso. Estão tentando encobrir o seu fracasso em oferecer segurança a ela - disse um porta-voz do PPP.

O ministro Khan rebateu as acusações, dizendo que o PPP foi avisado de que havia possibilidade de um atentado contra Benazir.

- Recebemos informações sobre um possível atentado contra ela no dia 21 de dezembro. Notificamos Rehman Malik, o conselheiro de segurança de Bhutto, por escrito, sobre a ameaça. Pedimos a eles para serem discretos e cautelosos.

Khan afirmou que o governo dava segurança 24 horas por dia a Benazir e cedeu a ela jammers, artefatos eletrônicos que impedem a detonação de bombas via controle remoto.

- Contra um homem-bomba, os jammers não são eficazes.

Desde a manhã de ontem pessoas ligadas à al-Qaeda já vinham assumindo a responsabilidade pelo atentado. O principal foi o Mustafá Abu al-Yazid, um dirigente da rede no Afeganistão.

- Demos um fim a um bem muito valioso dos EUA, e que havia jurado derrotar os mujaheddin (guerreiros sagrados do Islã) - disse Yazid.

Até mesmo a Casa Branca demonstrou cautela em aceitar imediatamente a versão do governo paquistanês, aliado de Washington.

- Houve muitas reivindicações. Nossos serviços de inteligência estão examinando o assunto - afirmou Scott Stanzel, porta-voz da Casa Branca, falando do rancho em que o presidente George W. Bush passa as festas de fim de ano, no Texas.

A revolta dos seguidores de Benazir provocaram a destruição de centenas de carros, lojas, bancos e postos de gasolina em todo o país. Choques entre as forças de segurança e manifestantes provocaram a morte de 31 pessoas desde a confirmação da morte da ex-premier. O governo ordenou que os paramilitares "atirem para matar" em pessoas que provoquem distúrbios.

A região mais atingida pela convulsão social provocada pelo atentado de quinta-feira é a província de Sindh, terra natal da família Bhutto. Na cidade de Hyderabad, pelos menos 25 bancos e cem carros, além de lanchonetes e vagões de trem foram incendiados. Em Karachi, maior cidade de Sindh e do Paquistão, uma multidão de duas mil pessoas invadiu uma delegacia, roubou as armas e provocou um incêndio. Seis pessoas morreram queimadas depois que manifestantes incendiaram uma fábrica. Centenas de lojas e carros foram destruídos.

Destruição, incêndios e bloqueios de ruas também provocaram pânico em cidades como Peshawar, Lahore, Multan e Rawalpindi. As ruas ficaram desertas até mesmo na capital, Islamabad.