Título: CVM vai exigir mais transparência das empresas de capital aberto
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: O Globo, 30/12/2007, Economia, p. 26

Autarquia moderniza sistemas para detectar desvios de conduta no mercado.

O ano foi agitado no mercado financeiro, com 76 ofertas públicas de ações, sendo 67 referentes a empresas estreantes na Bolsa de Valores. Em entrevista ao GLOBO, a presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, diz que a autarquia está se preparando para mais. E quer exigir mais transparência das empresas de capital aberto. O órgão está atualizando seus sistemas de acompanhamento de mercado - para captar desvios de conduta, como o uso de informação privilegiada - e prestação de informações das empresas. Mas a política de divulgar os bloqueios de recursos de suspeitos de uso de informação privilegiada tem encontrado obstáculos na própria Justiça, que obrigou a CVM a retirar do seu site qualquer menção ao caso da Suzano Petroquímica.

Felipe Frisch

Qual o balanço da atuação da CVM em 2007?

MARIA HELENA SANTANA: Tivemos o nosso "momento China", com a quantidade de ofertas (76), valores captados (R$R$69,531 bilhões em ações). Mas é mais uma brincadeira chamar de China. Lá, eles são jogadores, o mercado é dominado por pessoas físicas. Tivemos duas operações muito importantes, com a desmutualização e a listagem das duas bolsas em mercado.

Em 2008, esse movimento deve continuar?

MARIA HELENA: Não temos como antecipar como vai ser e que intensidade a crise internacional vai ter. Certamente, o andamento das operações depende disso. Algumas empresas pediram para suspender a análise do registro, imagino que estejam avaliando para voltar no ano que vem. Mas estamos longe de voltar atrás no processo. Hoje, o mercado está no radar de muitos empresários, coisa que não estava antes.

Às vezes, no radar de empresas que ainda não existem e se constituem para captar recursos na Bolsa, como Invest Tur e Brasil Brokers...

MARIA HELENA: Já temos tratado dessas empresas pré-operacionais como prevê a regulamentação, que exige a divulgação de um estudo de viabilidade econômica, sobre o qual se baseia a fixação do preço das ações. Além disso, as ofertas têm sido dirigidas a investidores qualificados, com valor da ação muito alto.

Como está a reforma da instrução 202 (sobre o registro de companhia aberta), a grande expectativa do mercado?

MARIA HELENA: Estamos trabalhando para fazer uma audiência pública de atualização da instrução no primeiro trimestre de 2008. Nela, estarão os diferentes níveis de abertura de capital, com menos exigências para a empresa, dependendo do público a que se destina e dos valores da operação. Vamos discutir também sobre detalhar mais os pacotes de remuneração dos executivos. Essa norma é antiga (de 1993), e temos a idéia de que o prospecto (documento de centenas de páginas com informações sobre a companhia, divulgado em ofertas públicas) passe a ser atualizado permanentemente pelas empresas.

Para todas as empresas, mesmo as que já têm capital aberto?

MARIA HELENA: Sim, tornando mais completas as informações que a empresa presta e mantém atualizadas.

A transparência da pauta das assembléias também deve ser objeto de regulação?

MARIA HELENA: Queremos colocar em audiência pública junto com a 202, mas se trata da regulamentação do artigo 126 da Lei das S.A.

E a reforma da 388 (que relacionava a atividade de jornalista de mercado financeiro à de analista), que causou aquela polêmica toda?

MARIA HELENA: É a que estamos discutindo internamente agora. Assim que estiver fechada, deve ser editada, mas não sei quando. O que a gente estava fazendo era dar um safe harbor (porto seguro) para os jornalistas fazerem recomendações sem ser analistas registrados, desde que estivessem submetidos ao código de conduta da sua profissão ou do veículo.

Pode ser que não entre esse tratamento específico na redação final, então?

MARIA HELENA: Pode até ser. Ainda não decidimos, mas, como fomos criticados pelos jornalistas e pelos analistas, que acham que ninguém deve ter tratamento privilegiado, estamos avaliando se é boa idéia continuar com a proposta.

Internamente, vocês olham se jornalistas estão investindo em ações?

MARIA HELENA: Se ocorrer uma situação, com analistas sempre citados em off (sem citar o nome), e a gente constatar que ele (jornalista) já tinha comprado ações, terá investigação, como já tivemos. Não tem ocorrido esse tipo de caso.

Nas ofertas de ações, em que muita gente entra com CPF de outros para levar mais papéis, a CVM pode fazer algo?

MARIA HELENA: Não acho que seja assunto para nós. É assunto que interessa muito ao emissor, pois define que base de acionistas ele vai escolher. Eles têm mecanismos para evitar. A corretora tem como saber se o cara está dando cinco ou seis CPFs para entrar na reserva.

A CVM publicou em jornais, em 2007, anúncio de licitação para sistemas de informática. Vocês estão modernizando o sistema de fiscalização?

MARIA HELENA: Estamos modernizando o acompanhamento de mercado (a licitação atual ainda não foi concluída.) Tivemos também licitação da SEP (Superintendência de Relações com Empresas) para um sistema que vai integrar informações de várias fontes. Nessa, o equipamento e o software já foram comprados.

Outras instruções podem vir por aí?

MARIA HELENA: A de clubes de investimento e a revisão da norma para registro de administrador de carteiras e consultor de investimentos. A revisão da instrução de fundos imobiliários vai para audiência pública em breve. Temos problema de falta de braços hoje. A SDM (superintendente de Desenvolvimento de Mercado, Aline de Menezes Santos) saiu. A Luciana Dias está para ser nomeada, dependendo da autorização da Casa Civil.

A CVM aguarda ainda um novo concurso público. Quando deve acontecer e quantas vagas deverão ser abertas?

MARIA HELENA: O Ministério da Fazenda aprovou e está no (ministério do) Planejamento. Desde o último concurso, o volume em todos os mercados que fiscalizamos triplicou. Serão 120 vagas para vários níveis e áreas. Estamos criando uma Superintendência de Processos Sancionadores. Hoje, a acusação é feita por uma comissão de inquérito ou pelo superintendente da área. Agora, vai haver uma equipe só para isso. Tivemos um reforço da Advocacia-Geral da União (AGU), que mandou para nós alguns procuradores.

No caso de vazamento de informação da compra da Suzano Petroquímica pela Petrobras, as informações já divulgadas saíram do site. A CVM foi impedida de falar?

MARIA HELENA: A juíza proibiu, por entender que, se o processo corre em sigilo de Justiça, não é possível fazer menção a ele. Alegamos que nossa missão impõe certo nível de prestação de contas. Não quebraríamos dado sigiloso do processo, mas falar a respeito da investigação era apenas nossa obrigação.

Isso muda a estratégia da CVM para casos semelhantes a esse?

MARIA HELENA: Vamos decidir com a nossa área jurídica. Não houve nenhum caso depois desse em que fomos para a Justiça. Não sei se muda. Eu acho que estávamos certos. Se for necessário, vou ter de mudar, sem querer.

Quais são os objetivos da CVM para 2008?

MARIA HELENA: Vamos fechar até agosto nosso primeiro plano bienal de supervisão baseada em risco, com validade de 2009 a 2010. Será um mapa identificando os principais temas, participantes e atividades que concentram o risco e demandam nossa atenção do ponto de vista do potencial de dano. Ao divulgar isso, muitos agentes já vão se mover.