Título: Promessas para 2008
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 01/01/2008, Opinião, p. 7

Já imaginaram se a economia mundial pudesse fazer suas promessas para 2008? Hoje é o primeiro dia do ano, bom momento para especular a respeito. Ao contrário das promessas pessoais - que dependem basicamente da força de vontade individual - a economia é o resultado da combinação da ação de vários indivíduos, empresas e governos, normalmente sem coordenação. Por sorte, ninguém (nem FMI, Banco Mundial ou a ONU) se aventura a fazer promessas em nome de um conjunto tão disperso. Mas eu tive acesso privilegiado ao que seriam as promessas da economia mundial (e brasileira), caso existissem. Aí vão:

1. Drible na crise financeira e na desaceleração mundial: os últimos anos de exuberância e otimismo na economia mundial levaram a excessos. Tomaram-se riscos exagerados nas aplicações financeiras. Os excessos ficaram claros em 2007. A bolha imobiliária nos EUA estourou. Os bancos tiveram grandes perdas (fala-se em perdas de centenas de bilhões de dólares, chegando até o trilhão). Houve corridas bancárias, demissão dos responsáveis e uma sensação de desconfiança no sistema financeiro internacional. Promessa: os bancos centrais do mundo vão conseguir reverter a crise financeira provendo liquidez, o que evitará a restrição de crédito que possa levar a uma recessão nos EUA e no mundo. A economia mundial e seus bancos centrais prometem usar toda a flexibilidade e a credibilidade conquistadas nos últimos anos para evitar o cenário pessimista e confirmar os cenários mais otimistas da maioria dos analistas.

2. Estabilidade dos preços de alimentos no mundo: a inflação de alimentos foi uma grande vilã em 2007. Os preços desses itens subiram 12% na China, 10,5% no Brasil, 6% nos EUA, colocando os bancos centrais do mundo em alerta para evitar que o custo de vida continue subindo. Promessa: por um lado, aumentar a produção de alimentos (trigo, milho, soja) no mundo: reagindo a contento a preços e retornos maiores. Por outro, moderar o crescimento da demanda por alimento dos novos "glutões" - países como a China e a Índia que têm incorporado um grande contingente de mão-de-obra nas cidades.

3. Equilíbrio global e resistência ao protecionismo: nos últimos anos, a economia mundial tem crescido de forma desequilibrada. Quem produz não é necessariamente quem consome. Os EUA são os maiores consumidores do mundo. O resultado é o déficit comercial americano e superávit no resto mundo, em especial, nos países asiáticos e nos países exportadores de petróleo. Essa situação de desequilíbrio ameaça aumentar o protecionismo no mundo. Promessa: o déficit americano vai diminuir pela depreciação do dólar em relação às moedas asiáticas (o yuan chinês, por exemplo) e às moedas do Golfo. A China, em particular, promete aceitar uma apreciação da sua moeda. Com isso, as garras do protecionismo perdem força.

4. Brasil - limite aos gastos do governo e crescimento sustentado: a mais difícil das promessas (o corte de gastos). Não pelo aspecto econômico, mas pela falta de convicção. Nos últimos anos, a bonança da economia mundial aliou-se ao legado de um pouco mais de responsabilidade na condução da política econômica para gerar um período de crescimento forte com estabilidade. Para não esbarrar no limite do crescimento que leve à inflação e ao aumento de juros, é necessário que o investimento cresça aceleradamente e aumente a capacidade de produção da economia. Mas o governo gasta e arrecada muito e desloca recursos do que poderia ser investido pelo setor privado. Promessa: na esteira da queda da CPMF o governo vai finalmente cortar o crescimento dos gastos (e não o superávit primário). A economia, por sua vez, vai conseguir investir o suficiente para manter o crescimento sustentado.

Cumprir as promessas acima será um desafio. Não obstante, nenhuma delas é tarefa fora do alcance. Algumas fazem parte das previsões da maioria dos analistas. Só esperamos que este ente abstrato - a economia mundial (e brasileira) - tenha mais sucesso no cumprimento das promessas que a maioria dos simples mortais.

ILAN GOLDFAJN é professor de economia da PUC. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.