Título: Dólar perde terreno nas trocas comerciais
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 01/01/2008, Economia, p. 17

Euro e moedas asiáticas ganham espaço. Peso da divisa americana nas reservas cai para 65%.

A modelo Gisele Bündchen já não aceita mais cachê em dólar. Os diplomatas brasileiros na Europa querem ganhar em euro. Nova York virou a meca do consumo de turistas europeus ávidos por pechinchas à custa do dólar barato. A moeda americana, quem diria, já não é mais a mesma. Depois de quase um século de domínio absoluto, as verdinhas estão perdendo terreno e começam, a ser substituídas por outras divisas como referência internacional.

A crise nas bolsas de valores americanas - alimentada por calotes nas hipotecas imobiliárias de alto risco, e que derrubou mercados do mundo inteiro - só acentuou, em 2007, uma tendência que, segundo especialistas, deverá ser a regra daqui para a frente. Depois de substituir a libra britânica, no início do século passado, como moeda quase exclusiva nas trocas entre países, o dólar terá que dividir seu reinado com o euro e, provavelmente, com o iene japonês ou o iuan chinês. Mas será um caminho lento, seguro e gradual.

- Não dá para pensar que, em pouco tempo, uma moeda deixe de ser a grande referência do sistema internacional. O próprio dólar demorou algumas décadas para se consolidar. É claro que, durante a transição, pode haver alguns soluços - afirma Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

O soluço a que Ribeiro se refere é a perda de mais de 10% em valor do dólar frente ao euro em 2007. A crise nas hipotecas criou incerteza entre investidores que retiraram parte de suas aplicações dos EUA, derrubando a moeda americana.

Desvalorização do dólar frente a real superou 16% em 2007

O Brasil sofreu um impacto duplo desse ajuste. De um lado, o real foi uma das moedas que mais se apreciaram frente ao dólar, prejudicando as exportações. A perda do dólar frente à divisa brasileira superou 16% em 2007 e levou o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, a afirmar que o real, o euro e o dólar canadense estavam "carregando nas costas" o ajuste na economia americana.

Por outro lado, o Brasil, que viu suas reservas internacionais mais do que duplicarem este ano, é um dos grandes detentores de títulos do tesouro americano, ou seja, papéis indexados ao dólar. São nada menos do que US$112,8 bilhões - o que faz do Banco Central brasileiro o quarto maior investidor individual em títulos americanos, atrás apenas de Japão, China e Reino Unido. Ao todo, o Brasil tem perto de US$180 bilhões em reservas internacionais hoje.

- A queda do dólar é ruim para quem tem muitos dólares em caixa. Por isso mesmo, não haverá uma queda brusca da moeda. Não interessa aos chineses que o dólar caia muito. Por isso, a China continua investindo em títulos do Tesouro americano - avalia Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet, entidade que reúne empresas transnacionais no país. - E não interessa aos europeus que o euro se valorize muito, porque afeta a competitividade de suas empresas.

De todo jeito, a tendência é que o dólar continue se desvalorizando. Lima lembra que, em 1985, 71% das reservas internacionais dos principais países do mundo estavam aplicadas em dólar. Hoje, essa parcela está em 65%. Além disso, a moeda tem sido substituída nas trocas internacionais. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) discute trocar o dólar por uma cesta de moedas como referência nas vendas do combustível.

Ribeiro, da Funcex, acrescenta que a recente iniciativa de Brasil e Argentina de adotarem o real e o peso, e não mais o dólar, no comércio bilateral - medida que deve entrar em vigor em 2008 - é outro reflexo do enfraquecimento da moeda americana:

- Isso poderá ocorrer com mais freqüência em outras regiões.

Mas a maior dificuldade nesse processo de substituição do dólar é a falta de um concorrente à altura. O diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas, Carlos Langoni, destaca que o dólar tem como retaguarda a economia mais forte do planeta. Concorrente mais próximo, a União Européia - hoje, 13 países adotam o euro, e a moeda é a principal referência nos demais 14 membros do bloco - cresce a passos mais lentos e não tem o vigor dos EUA.

- O mundo caminha para uma diversificação gradual. Mas o dólar ainda terá, por muito tempo, a supremacia - diz Langoni.