Título: Alívio para o BC contra inflação
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 06/01/2008, Economia, p. 27

Medidas fiscais do governo para compensar CPMF podem ajudar a conter alta dos preços.

Não é só o consumidor que terá que refazer suas contas para ver o impacto do aumento de impostos no crediário de eletrodomésticos, automóveis ou na compra de seguros. Também o Banco Central (BC) poderá rever suas estimativas sobre qual é a taxa de juros necessária para manter a inflação sob controle. Mas, neste caso, as contas refeitas vão proporcionar um alívio: o pacote tributário anunciado pelo governo quarta-feira para compensar o fim da CPMF deve ajudar o BC na sua tarefa de evitar altas excessivas da inflação. E, com isso, abrir espaço para que os juros voltem a cair antes do que se previa.

Os economistas explicam que, ao elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incide em diferentes tipos de crediário, o governo, na prática, tornou o crédito mais caro. É um efeito similar ao de uma alta dos juros, instrumento usado pelo BC para segurar a inflação. Em alguns casos, o IOF mais do que dobrou.

Gastos voltariam ao patamar de 2003

Além disso, o governo se comprometeu a reduzir em R$20 bilhões seus gastos. Não há ainda um detalhamento sobre como serão feitos esses cortes. Mas, se levada adiante, uma redução dessa magnitude nos gastos públicos vai ajudar a restringir a demanda da economia, ou seja, a conter a inflação.

- Elevar o IOF e cortar despesas, essas duas medidas juntas, têm um caráter fiscal antiinflacionário - afirma Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e hoje na Confederação Nacional do Comércio (CNC). - Ajudam a afastar o fantasma de que a economia está muito aquecida.

O economista João Paulo Brunet, do Itaú, fez as contas: se cortar R$20 bilhões em seus gastos, o governo voltará ao patamar de despesas discricionárias (custeio, investimentos, emendas parlamentares etc., excluindo gastos com pessoal e dívida) de cinco anos atrás. Será, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos pelo país), um nível de despesas próximo ao de 2003 - primeiro ano do governo Lula, quando houve o arrocho fiscal.

Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, estima impacto ainda maior. Ele diz que o governo, na prática, terá uma receita R$30 bilhões inferior. Além dos R$20 bilhões que prometeu cortar, há os R$10 bilhões que o governo espera obter com uma alta na arrecadação graças ao maior crescimento econômico - e esses R$10 bilhões viriam com ou sem CPMF, explica Montero. A parcela restante (a CPMF arrecadava R$40 bilhões por ano) virá do aumento do IOF e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro.

- Na prática, o governo está dizendo que terá R$30 bilhões a menos. Se conseguir entregar o que anunciou, haverá restrição da demanda. Ajuda o Banco Central naquilo que o BC está mais preocupado: a demanda.

Montero explica que, se o governo terá R$30 bilhões a menos de receita, esses recursos ficarão com a sociedade e, não necessariamente, irão integralmente para o consumo: muitas famílias podem usar parte desse alívio para a poupança. No governo, essa redução de R$30 bilhões na receita será integralmente traduzida em corte de gastos, já que não houve mudança na meta de superávit primário (a economia para pagar os juros da dívida).

Mais pessimista, Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP, acredita que a perda de arrecadação com o fim da CPMF dificultará a tarefa do BC de manter a inflação sob controle. E lembra que, se as operações de crédito ficarão mais caras por causa do IOF, não terão mais que pagar CPMF:

- O IOF vai compensar a CPMF a depender do prazo dos financiamentos. Não acredito que a alta do IOF terá impacto na expansão do crédito.

Nos últimos 12 meses, a oferta de financiamentos cresceu 31%. O avanço do crédito e a alta recente da inflação levaram muitos analistas a preverem que o BC só voltaria a cortar juros no segundo semestre. Agora, com o pacote do governo e a queda do dólar, muitos estão refazendo as projeções. E começam a apostar que o corte de juros virá antes do que se previa.

EXPANSÃO DO CRÉDITO PODE SER MENOR ESTE ANO, na página 28