Título: Brecha beneficia corruptos
Autor: Brígido, Carolina; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 06/01/2008, O País, p. 3

Legislação permite que prefeitos condenados em 2004 concorram à eleição de 2008.

Cerca de 160 prefeitos condenados judicialmente por atos de corrupção supostamente cometidos durante a campanha de 2004 estão livres para concorrer às eleições municipais de outubro deste ano. Nos processos, que correm em diversas instâncias da Justiça Eleitoral, eles são acusados de abuso do poder político e econômico, compra de votos e uso indevido dos meios de comunicação em benefício próprio. Pelo menos 19 cassações por esses motivos já foram confirmadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que julga em última instância recursos de condenações impostas por juízes municipais e pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Mesmo esse grupo seleto poderá ter o nome estampado nas urnas eletrônicas como candidato a prefeito - se ainda não disputou a reeleição - ou a vereador.

A aparente impunidade aos culpados é fruto de uma brecha na legislação eleitoral. Casos de corrupção são punidos, de acordo com a lei, com a inelegibilidade do político pelo período de três anos a contar da data em que ele foi eleito - e não da data da condenação. Ou seja, quatro anos depois, quando o mesmo cargo estará em disputa, o condenado não terá mais pendências com a Justiça Eleitoral e poderá ser candidato novamente.

O advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE e especialista no tema, confirma que, nesse tipo de processo, o político cassado pode participar da próxima eleição:

- É uma falha, acredito que intencional, da legislação. Tramita no Congresso um projeto de lei que prevê o aumento da punição para cinco anos, o que inviabilizaria pelo menos a participação do condenado na eleição seguinte.

Outro ex-ministro do TSE, Torquato Jardim, também critica a lacuna deixada pela legislação em vigor e é cético quanto à possibilidade de mudança. Para ele, como a regra eleitoral é feita pelos parlamentares, não há interesse em mudar a legislação que os elegeu.

- O direito eleitoral é o único ramo do direito no qual a norma de conduta é regida pelo destinatário da norma. Alguém vai querer mudar a regra do jogo para perder o jogo? - questiona Jardim.

As condenações finais, mesmo sem impedir novas candidaturas, têm um efeito moral e podem ser usadas em campanhas por adversários políticos. No entanto, quase sempre a sentença definitiva, determinada pelo TSE, nem chega a virar realidade. Normalmente, os processos se perdem no labirinto de recursos judiciais e acabam submersos no mar de ações que afoga os tribunais brasileiros. Boa parte dos processos é prescrita antes mesmo de ser julgada pelo TSE. Isso faz com que muitos políticos continuem no cargo mesmo após a condenação.

140 prefeitos aguardam decisão final

Segundo o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, é preciso que a sentença de primeira instância seja confirmada pelo menos no TRE antes da aplicação da punição de cassação.

- Geralmente, as cassações são por abuso do poder econômico e político e mau uso dos meios de comunicação. Isso gera também inelegibilidade. Mas, para afastar o político do cargo, a decisão precisa ser confirmada pelo menos pelo TRE - diz Marco Aurélio, que desde o ano passado vem defendendo regras mais duras para punir os crimes eleitorais.

Dos 5.560 prefeitos eleitos em 2004, 159 foram cassados por atos de corrupção pela primeira instância ou pelos TREs. O número corresponde a 2,8% dos total de prefeitos brasileiros. Desses, apenas 19 tiveram a cassação confirmada pelo TSE. Ou seja, os outros 140 ainda aguardam a decisão final sobre seus processos e, na maioria dos casos, permanece no cargo enquanto a sentença definitiva não sai. Os dados foram divulgados em agosto pelo TSE. Desde então, o número de condenações finais pode ter subido.

A Lei Eleitoral pune condutas vedadas aos candidatos - como propaganda fora da época permitida, uso da máquina e distribuição de benesses por candidatos à reeleição, ou que tenham o apoio de agentes públicos - com multas e inelegibilidade por três anos a partir da eleição fraudada. Além disso, o artigo 41-A da mesma lei, considerado o mais rigoroso, pune a compra de votos até mesmo em casos sem sucesso, em que foi observada apenas a tentativa de praticar o crime. Nesse caso, se o político tiver sido vitorioso nas urnas e for considerado culpado, a eleição em jogo poderá ser anulada. O condenado não poderá participar do pleito convocado para escolher seu substituto.

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