Título: Fraude no Bolsa Família envolve comerciantes
Autor: Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 06/01/2008, O País, p. 4

Cartões do programa e de aposentadoria são retidos para abater dívidas de beneficiados.

FORTALEZA. Desde que foi criado, o Bolsa Família tem sido alvo de fraudes. A mais comum é o cadastramento de pessoas fora do perfil do programa destinado a famílias que recebem até R$120 reais per capita. Essa, no entanto, não é a única forma de recebimento indevido do dinheiro. No interior do Ceará, chovem denúncias de que cartões do Bolsa Família vão parar nas mãos de comerciantes e agiotas. O benefício é dado como garantia do pagamento de dívida para compra de alimentos ou na aquisição de empréstimo.

A aposentadoria e o Bolsa Família são as duas fontes de renda que movimentam o comércio das pequenas cidades nordestinas. Há denúncias de que a mesma irregularidade está sendo cometida com os cartões do INSS. O Bolsa Família destina por mês ao Ceará R$70,1 milhões e beneficia 904 mil pessoas.

Recentemente, na operação Retenção Zero, a Polícia Federal recuperou 93 cartões de aposentadorias e do Bolsa Família que estavam com comerciantes e agiotas no município de Icó, a 358 quilômetros de Fortaleza.

A retenção de cartões magnéticos de aposentados é crime previsto no Estatuto do Idoso, mas, por ser considerado de menor potencial ofensivo, não leva à prisão. No entanto, três pessoas foram presas em flagrante por porte ilegal de armas e munição e liberadas após pagarem fiança. Os acusados responderão a processo criminal. Um único comerciante, Antônio Nunes, tinha 74 cartões, do Bolsa Família e de aposentadoria.

Quando negociam a entrega do cartão, o interessado diz que o dinheiro sacado mensalmente servirá para amortizar o débito e promete devolvê-lo quando a conta for quitada. Nem sempre isso ocorre. A irregularidade tem-se repetido em outros municípios. Em Crateús, a 354 quilômetros de Fortaleza, a coordenadora do cadastro único do Bolsa Família na prefeitura, Luzia Soares de Oliveira, já recebeu queixas envolvendo dois comerciantes da cidade.

A responsável pelo cadastro único e pelo Bolsa Família na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do estado, Silvana Crispim, disse que os gestores municipais são orientados a procurar o Ministério Público ao saber de irregularidades. O promotor Gustavo Henrique Cantanhede Morgado, que responde pelo órgão de defesa do consumidor e juizados especiais em Crateús, confirma saber da irregularidade. Mas diz que não pôde abrir uma investigação porque nenhuma vítima teria formalizado a denúncia.