Título: Virando o jogo
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 06/01/2008, Opinião, p. 7

Desde a crise da dívida externa no início da década dos 80, que interrompeu o longo ciclo de crescimento iniciado no pós-guerra, a economia brasileira não apresentava condições e perspectivas tão favoráveis como as que ostenta nos dias de hoje. Condições que foram construídas nos últimos anos, particularmente a partir de 2003, com a neutralização do processo de desestabilização econômica e financeira desencadeado no segundo trimestre de 2002, e a reversão, no triênio 2004/06, das tendências ao endividamento crescente do país e do Estado associadas ao anterior modelo de política econômica.

A evolução da economia em 2007 sintetiza os avanços já obtidos. As expectativas relativas ao crescimento real do PIB foram sendo progressivamente elevadas e situam-se agora em torno a 5,2%, com o que a taxa média do quadriênio 2004/07 atingiria 4,5% anuais. Nada espetacular, é verdade, mas representa uma mudança não desprezível em comparação com o desempenho médio do período 1981/2003, escassamente acima dos 2,0% por ano.

O mais significativo, no entanto, não é o crescimento do PIB, até porque, durante esses 23 anos de letargia econômica, houve momentos em que a economia cresceu a taxas médias anuais superiores, como ocorreu no quadriênio 1984/87 (6,1%) e no triênio 1993/95 (4,8%). O significativo é o crescimento sustentado, e muito acima do PIB, da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador-chave do ritmo de expansão da capacidade produtiva e da produtividade.

Recorde-se que desde 1998 até 2003, à exceção do ano 2000, a FBCF permaneceu estancada ou regrediu, acumulando no período expressiva contração. Esse quadro mudou radicalmente a partir de 2004: incluindo a projeção de crescimento da FBCF para 2007, o aumento acumulado nos últimos quatro anos alcançaria 38,1%, quase o dobro do crescimento do PIB. Esse processo, que se intensificou em 2007, teve reflexos positivos sobre a taxa de investimento da economia, cuja expansão, a preços constantes, já se mantém por dez trimestres consecutivos. Ou seja, ingressamos, de fato, em um novo ciclo de crescimento que, ao contrário dos anteriormente citados, se perfila como sustentável e compatível com a preservação da estabilidade dos preços internos.

Por outro lado, pela primeira vez em muitas décadas, o setor externo da economia não apresenta desequilíbrios críticos que possam comprometer o crescimento econômico ou o próprio funcionamento do sistema produtivo. Condições internacionais favoráveis, uma política externa voltada para a projeção dos interesses geopolíticos e comerciais nacionais e um intenso esforço interno, permitiram reduzir significativamente a exposição cambial da economia, suas necessidades de financiamento externo e sua vulnerabilidade diante de choques externos. Complementarmente, houve avanços expressivos na área fiscal. A política adotada pelo governo permitiu reduzir significativamente o déficit nominal do setor público, de 4,7% do PIB em 2003 para menos de 3,0% do PIB em 2007. Melhorou também o perfil da dívida pública, que, como proporção do PIB, caiu de 59,6% em dezembro de 2002 para 43,7% em outubro passado.

Por último, e talvez o mais importante, houve, nesses anos, persistentes avanços no combate à pobreza e à desigualdade social. Aumentou o emprego e a massa salarial, se expandiu em 400% a oferta de habitações populares, ampliou-se o crédito e a cobertura das políticas públicas e dos programas de transferência de renda. Ou seja, o país cresceu redistribuindo renda, aumentando a mobilidade social e retirando da miséria quase 17 milhões de brasileiros.

Além do seu significado social, esses avanços têm importância econômica fundamental, já que constituem vetores críticos para a expansão do mercado interno e sustentação do crescimento. E é o que vem ocorrendo. Há 15 trimestres o consumo das famílias vem aumentando continuamente a taxas vizinhas a 6,0%. Isso significa que a economia ampliou a capacidade de alimentar endogenamente sua expansão e de fazer frente a eventuais perdas de dinamismo do setor externo.

Em síntese, viramos o jogo. A tarefa, agora, é consolidar a vitória. Para isso, é essencial remover os gargalos na infra-estrutura que podem inviabilizar o crescimento, aprofundar as políticas de redistribuição e de inclusão social, fortalecer o Estado nacional e ampliar o espaço político das forças progressistas comprometidas com o desenvolvimento do país e com o aprimoramento da nossa democracia. Um feliz 2008 para todos.