Título: Emmanuel: 3 anos de sofrimento e mentiras
Autor:
Fonte: O Globo, 07/01/2008, O Mundo, p. 22

Filho de refém das Farc está desde julho de 2005 em Bogotá, para onde foi levado por ter malária, leishmaniose e desnutrição

Do El Tiempo*

BOGOTÁ. A criança de 3 anos e meio que deixou em maus lençóis as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) representa um duro golpe político para a imagem da guerrilha. Emmanuel, filho da refém Clara Rojas, foi localizado por unidades do Centro Técnico de Investigação da Procuradoria colombiana há apenas nove dias.

As próprias Farc reconheceram sexta-feira, num comunidade confuso, que a criança havia sido entregue a uma família e que ele agora, com o nome Juan David Gómez Tapiero, está sob os cuidados do governo. Só um punhado de autoridades do mais alto nível do governo conhece o paradeiro do menino, que está com agentes secretos.

Desde a revelação do jornalista Jorge Enrique Botero, que em abril de 2006 disse que a ex-candidata à Vice-Presidência pelo partido Oxigênio Verde, Clara Rojas, havia tido um filho com um guerrilheiro, vieram à tona novos dados: ele nasceu numa cesariana na selva. Clara e o pai do bebê foram separados desde a gravidez.

O policial John Pinchao, que fugiu de um acampamento das Farc depois de nove anos em abril de 2007, confirmou o nascimento do bebê. Ele acrescentou que o cuidado do bebê era similar ao dado a uma criança indígena, e que guerrilheiros e reféns fabricavam sua roupa.

Farc obrigaram pedreiro a tomar conta da criança

Pinchao também disse que, meses depois de seu nascimento, em julho de 2004, o menino foi levado embora, e Clara clamava para que o devolvessem:

- Ela gritava o nome dele e pedia que eles a deixassem vê-lo. Durante a caminhada o vimos de novo, mas quem o levava era uma guerrilheira.

Sobre o pai, Pinchao disse que comentavam que seria morto. Ele afirmou que, nos primeiros meses, um guerrilheiro que agia como enfermeiro levou o menino ao seu acampamento.

- Era branquinho e teve problemas ao nascer. Puseram gesso num de seus braços devido a uma fratura ocorrida no parto.

Problemas de saúde obrigaram as Farc a entregá-lo. O escolhido foi José Gómez Tovar, pedreiro que colhia coca para a guerrilha.

- Eles o levaram até minha casa, em El Retorno, onde meu sogro, um curandeiro, começou a cuidar dele - disse ele.

Segundo um ex-diretor do hospital local, as Farc não costumam deixar que as guerrilheiras tenham filhos, e quando é tarde demais para abortar, entregam-nos a milicianos.

Tovar disse à Procuradoria que a fratura no braço era visível e que o menino tinha marcas de leishmaniose:

- Eu tinha cinco filhos e minha mulher não gostou. Mas era uma situação na qual, se me negasse, teria problemas.

Ele disse que a criança tinha uns 3 meses e que tinham dito que levariam pão e leite, mas "passaram quatro meses e nada". Quando voltaram, deram um pouco de comida e uma guerrilheira disse que o pai se chamava Juan David. Por isso, foi registrado com esse nome.

Fuga para cidade sem permissão da guerrilha

Depois de um tempo, com um filho e Emmanuel doentes de malária, Tovar se desesperou e foi, sem permissão das Farc, para o centro urbano de El Retorno. Lá, as más condições de saúde das crianças levaram uma vizinha a denunciá-lo. Quatro dias depois, Emmanuel foi tirado de Tovar e enviado para San José del Guaviare, em 15 de junho de 2005. Uma decisão judicial tirou-lhe a guarda da criança.

Pressionado, Tovar disse ser tio-avô do menino, e o chamou de Juan David Gómez Tapiero. Procurado pelas Farc, ele mentiu, dizendo que a criança estava com uma irmã sua em Bogotá.

Há três meses, o comandante Jerónimo das Farc ameaçou sua família caso não devolvesse o menino. Em meados do mês passado, as ameaças foram mais diretas, e ele recebeu um ultimato para entregar a criança até 30 de dezembro. Foi então que Tovar buscou a Procuradoria e foi levado para Bogotá.

O governo afirmou que a criança deixou o hospital de El Retorno em 27 de janeiro de 2005, ingressando no dia seguinte no Instituto de Bem-Estar Social. Segundo prontuário médico, tinha desnutrição, malária, diarréia aguda, leishmaniose e fratura no úmero. Ele foi levado para Bogotá em 26 de julho de 2005. Três meses depois, foi operado para corrigir o osso.

Apesar de pronunciar algumas palavras, como "mamãe", Emmanuel apresenta retardo no seu desenvolvimento psicomotor. No momento, "a criança se encontra em bom estado de saúde, com desenvolvimento psicossocial adequado para a sua idade, com situação médica e nutricional satisfatória", diz um boletim do governo.

* EL TIEMPO faz parte do Grupo de Diarios América