Título: Mercosul vai para o espaço
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 08/01/2008, Opinião, p. 7

Não. Não foi esse o resultado da 34ª reunião de presidentes do Mercosul realizada recentemente em Montevidéu. Pouco antes, Brasil e Argentina, em uma primeira missão espacial conjunta, lançaram ao espaço, a partir da Barreira do Inferno, um foguete que alcançou 121km de altura.

No encontro presidencial, ao contrário da expectativa dos observadores e da mídia, o clima foi descontraído e até agradável. Assuntos delicados e sensíveis como os que opõem Argentina e Uruguai, os relativos à entrada da Venezuela no Mercosul e outras questões pendentes há anos foram cuidadosamente evitados.

Prevaleceu a retórica otimista, e os magros resultados foram apresentados como de grande sucesso.

O único resultado efetivo foi a assinatura do acordo de comércio com Israel. Embora o intercâmbio com o Mercosul seja modesto, o documento é importante pelo seu simbolismo, já que se trata do primeiro acordo comercial assinado com país fora da região. Todos os principais itens da agenda foram, mais uma vez, adiados até o final de 2008: o plano estratégico para reduzir as assimetrias (que inclui o pedido de flexibilização de algumas regras do Mercosul para permitir a negociação de acordos de comércio de forma individual e não somente no formato de 4+1), a entrada em vigor do Código Aduaneiro, a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) pelos países membros e a tão necessária reforma institucional.

A falta de consenso para avançar nesses assuntos ressalta o mau funcionamento das instituições do bloco regional, fortemente controladas pelas burocracias nacionais. O caso mais flagrante talvez seja o fato de o Tribunal Permanente de Revisão, órgão de solução de controvérsias, ser sistematicamente ignorado pelos países membros que preferem recorrer à Corte Internacional de Justiça da Haia ou à OMC para resolver suas diferenças.

Dignas de registro são as declarações do presidente Lula durante o encontro com críticas duras sobre o lento processo de tomada de decisões e sobre as razões das dificuldades por que passa o Mercosul. Com grande oportunidade e concordando com os críticos do funcionamento das instituições do Mercosul, entre os quais me incluo, Lula disse que "o Mercosul tem inimigos internos e externos". "Os inimigos internos", continuou, "são o corpo técnico e burocrático; dentro de nosso governo, de nossas burocracias, há gente que não assimila o Mercosul." Por isso, agregou, "a vontade política deve prevalecer sobre as decisões técnicas" (nesse contexto, mencionou as decisões adotadas na Bolívia e na Venezuela que não tinham apoio técnico da Petrobras). "Os inimigos externos são os que sonham em vender tudo para os EUA e a União Européia", afirmou, com certo exagero e imprecisão. Disse mais, "a lentidão do avanço do Mercosul não é culpa dos EUA, da Alemanha ou do Japão, é culpa nossa de não tomarmos as decisões que temos de tomar." "Se não avançamos mais a culpa é eminentemente nossa."

A exemplo do que ocorre internamente, Lula procurou se distanciar dos aspectos negativos, como o da ineficiência e dos inimigos do Mercosul, como se a responsabilidade não fosse dos governos membros, inclusive o brasileiro, chefiado por ele. Como tenho ressaltado, a falta de vontade política dos sócios é o grande responsável pela debilidade institucional do Mercosul, confirmada, no mesmo dia, com a divulgação das decisões adotadas pelos presidentes que adiaram praticamente todas as questões importantes na agenda.

A Cúpula ofereceu nova oportunidade para manifestação política de apoio de todos os presidentes à aprovação do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul pelos Congressos brasileiro e paraguaio. Hugo Chávez, logo em seguida à reunião, envolveu-se no lamentável episódio de libertação de reféns em poder das Farc. Não me recordo de o Itamaraty ter sido colocado em situação de maior constrangimento, pela sua marginalização e omissão. A escolha e o anúncio do nome do enviado presidencial foram feitos sem participação pública do Itamaraty, que subitamente emudeceu por vários dias. O silêncio só foi quebrado quando solicitado a emitir uma nova partidária (que deveria ter sido emitida pela Presidência) elogiando Chávez e "lamentando que as circunstâncias" levaram à pajelança em que se meteram todos.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).