Título: Que sinuca!
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 27/04/2009, Política, p. 06

Lula quer relações boas com o Irã, mas não deseja ser associado internacionalmente a uma posição política que nega o direito de Israel à existência e relativiza o Holocausto nazista

À medida que se aproxima a visita ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, marcada para a semana que vem, cresce dentro do Itamaraty a dúvida sobre a conveniência de receber agora o líder daquela república islâmica. E a interrogação não está apenas nas mentes de diplomatas que se opõem à política externa de Luiz Inácio Lula da Silva. O incômodo estende-se também a figuras alinhadas com a orientação das relações exteriores do Brasil nos últimos seis anos.

Não há restrição no Itamaraty a estreitar relações com a República Islâmica do Irã. A dúvida é se convém no momento a Lula aparecer numa foto com Ahmadinejad, ambos sorridentes e de mãos dadas. Aliás, a chancelaria brasileira poderia ter avaliado melhor a oportunidade da data da visita, prevista para acontecer poucos dias após o encontro da ONU em Genebra sobre o racismo, apelidado de Durban 2 (o primeiro foi na cidade desse nome na África do Sul). Reunião em que Ahmadinejad teve holofotes globais para defender suas teses.

Lula quer boas relações com o Irã, mas não deseja ser associado internacionalmente a uma posição política que nega o direito de Israel à existência, suaviza a condenação do Holocausto nazista e trabalha para que o poderio nuclear iraniano seja utilizado como vetor para remover do mapa o Estado judeu. Seria lógico, então, que Lula deixasse clara ao visitante a repulsa brasileira a esses pilares político-ideológicos do atual governo iraniano.

Mas um gesto assim poderia produzir um mal estar diplomático. Você não convida alguém à sua casa para falar mal do sujeito na cara dele ¿ e na frente dos outros. O ideal, tecnicamente falando, seria que o negacionismo e o antissionismo de Ahmadinejad fossem excluídos da pauta, para poupar Lula do óbvio perde-perde: ou afronta o colega ou corre o risco de ser marcado como um governante que fez média com o antissemitismo e com a revisão histórica do Holocausto. Mas o problema é que se Lula decidir não tocar no assunto poderá ser acusado de omissão e de endossar a doutrina iraniana. Quem cala, consente. Que trapalhada! Que sinuca!

Do ponto de vista político, a posição de Ahmadinejad sobre o conflito no Oriente Médio tem apoio no Brasil dentro do núcleo dirigente dos partidos de esquerda, especialmente no PT e no PCdoB. As duas legendas abrem cada vez mais espaço para formulações que negam o direito de Israel existir como um Estado judeu, mesma posição de Ahmadinejad.

Em tese, em ambos os partidos não se recusa a solução de dois estados na Palestina. Mas defende-se que os exilados palestinos e seus descendentes devam ter todos o direito irrestrito de retornar não apenas ao futuro eventual país palestino, mas também ao território onde hoje é Israel. O que naturalmente inviabilizaria a solução dos dois estados. A não ser que fossem dois estados árabe-palestinos.

Lula tem conduzido sua política externa de modo bastante cuidadoso. São movimentos pendulares, mas que nunca tomam grande distância do centro. Nas Américas, por exemplo, o Brasil consegue ser ao mesmo tempo amigo dos Estados Unidos e da Venezuela. Quando o presidente está insatisfeito com o que vem de Washington, pisca para Caracas. Mas quando Barack Obama acena para Lula, este se afasta rapidamente de qualquer discurso que possa mandar água ao moinho de Hugo Chávez. Basta comparar o anti-imperialismo de Lula em Santiago no encontro preparatório do G20 com o globalismo do presidente na reunião propriamente dita.

Como se diz em Minas, esperteza quando é muita vira bicho e come o dono. O Itamaraty tem um problema. A ideia de convidar o presidente iraniano ao Brasil integra uma estratégia de apresentar Lula como pacificador global, como fator de neutralização do extremismo persa. Mas, infelizmente, e apesar de todas as boas intenções, o presidente brasileiro corre agora o risco de ser mal interpretado, mundo afora, como alguém que coonesta o antissemitismo e o filonazismo.