Título: Índios à própria sorte
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 27/04/2009, Brasil, p. 08

QUESTÃO INDÍGENA

Auditoria do Tribunal de Contas da União em oito Distritos de Saúde Especial constata abandono total do Estado. Fiscais se depararam com situação caótica, incluindo alto índice de desnutrição entre as crianças

Estimada em 488.441 pessoas, a população indígena brasileira teve pouco o que comemorar no mês em que se celebraou seu dia. O Correio teve acesso a um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), resultado de uma auditoria realizada entre os meses de junho a dezembro de 2008 em oito dos 31 Distritos de Saúde Especial Indígena (Dseis) sob responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O documento aponta falta de transparência, atendimento precário e ausência de critérios para a gestão de recursos.

Os auditores defendem que os distritos devem ser unidades gestoras, acabando, assim, a dependência com a coordenação regional da fundação. De acordo com o texto, o modelo atual contraria a legislação vigente e prejudica a execução do programa de saúde indígena. O TCU verificou que as unidades visitadas não contam com equipamentos suficientes, existe déficit de profissionais de saúde, faltam medicamentos e transporte.

Ao analisar a distribuição dos recursos aplicados em 2007, o tribunal concluiu que, dos R$ 473.703.922,79, 31,7% são transferidos do Ministério da Saúde para os municípios efetuarem a aplicação dos recursos; 27,5% são repassados por meio de convênios (para prefeituras e organizações não governamentais) e 40,8% são aplicados diretamente pela Funasa. ¿Rigorosamente falando, a União não executa qualquer ação ou presta qualquer serviço de saúde diretamente aos índios, uma vez que a personalidade jurídica da Funasa não se confunde com a da União¿, afirma o texto.

Os auditores se depararam com índios morando em barcos abandonados durante o tratamento de saúde, falta de alimentos nas Casas de Apoio à Saúde Indígena (Casai), veículos abandonados e sem manutenção, habitação de médicos e outros profissionais de saúde dentro de consultórios, remédios vencidos distribuídos aos indígenas, medicamentos receitados por técnicos de enfermagem, falta de um programa nutricional em locais com registro de desnutrição infantil, déficit de médicos e agentes indígenas de saúde realizando procedimentos médicos sem supervisão. ¿De forma geral, fica nítido que a Funasa não possui estrutura suficiente para prestar, de forma adequada, assistência básica de saúde aos índios¿, diz o documento.

Ciente da auditoria realizada pelo TCU, o diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Wanderley Guenka, afirma que está acatando as recomendações e melhorando o atendimento aos índios. ¿Quando a Funasa assumiu, há 10 anos, a saúde indígena, o órgão não recebeu a contrapartida na mesma proporção da responsabilidade. O nó da questão são os profissionais para atender os índios. Hoje, atuamos com aproximadamente 12 mil funcionários dentro das aldeias. Desse total, pouco mais de 1 mil são servidores da Funasa. É muito pouco¿, reconhece. Guenka explica que o restante do pessoal é contratado por meio de parcerias com organizações não governamentais, e outra parcela integra o quadro com subsídios dos recursos repassados do Fundo Nacional de Saúde para o Fundo Municipal de Saúde.

Secretário de Controle Externo do TCU em Mato Grosso, Carlos Augusto Ferraz explica que caso os gestores da Funasa e do Ministério da Saúde não cumpram as orientações do tribunal, poderão ser multados em até R$ 33 mil. ¿Os gestores dos dois órgãos devem propor um cronograma de trabalho para implementar as recomendações¿, afirma, lembrando que se for constatado irregularidades nos pagamentos relacionados ao subsistema de saúde indígena, será aplicada uma multa de 100% em cima do valor.

Em curso, a transferência da saúde indígena da Funasa para o Ministério da Saúde ainda não tem data para ser concluída. Um grupo de trabalho, com representantes dos índios e dos dois órgãos do governo, discute a criação de uma secretaria especial de atenção à saúde dos índios.

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"Quando a Funasa assumiu, há 10 anos, a saúde indígena, o órgão não recebeu a contrapartida na mesma proporção da responsabilidade

Wanderley Guenka, diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa

O número

1 mil é o número de servidores da Funasa que trabalham nas aldeias