Título: Final feliz para o drama de Clara e Consuelo
Autor:
Fonte: O Globo, 11/01/2008, O Mundo, p. 25

DE VOLTA À LIBERDADE

Reféns das Farc são soltas após 20 dias de caminhada na selva colombiana

CARACAS

Foram cerca de seis anos como reféns na selva, quatro meses de negociação, três semanas de intensa ansiedade, mas, ontem, as colombianas Clara Rojas e Consuelo González finalmente reencontraram suas famílias ao desembarcarem na Venezuela. Bem dispostas - e já com uma roupa diferente da usada ao serem entregues pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) a uma missão venezuelana e ao Comitê da Cruz Vermelha Internacional -, elas distribuíram grandes sorrisos e longos abraços, numa cena que aumentou as esperanças das famílias de reféns de que mais pessoas sejam libertadas pela guerrilha.

- Sinto uma alegria imensa, mas ao mesmo tempo é triste recordar os companheiros que lá ficaram - disse Consuelo ao chegar a Caracas.

Mais cedo, um helicóptero venezuelano partira rumo à selva colombiana para pegar Clara, ex-candidata à vice-presidência, e Consuelo, ex-deputada. Num ponto da floresta, perto da cidade de San José del Guaviare, vestidas de preto, elas foram entregues por um grupo de seis guerrilheiros com uniformes camuflados. Em imagens exibidas pela Telesur, elas aparecem agradecendo ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pela mediação, num telefone via-satélite. O presidente venezuelano contou depois ter saudado o chefe da patrulha das Farc.

- Por favor, presidente (Chávez), não baixe a guarda. Aqueles que ficaram me pediram para lhe dizer isto. Temos que continuar trabalhando - disse Consuelo, de 57 anos, seqüestrada em setembro de 2001. - Mil obrigados.

Sem notícias de Ingrid há três anos

Clara, de 44 anos, parecia mais magra e tinha o cabelo preso num rabo de cavalo. Ao partir, elas beijaram as guerrilheiras no rosto - num gesto repetido pela senadora colombiana Piedad Córdoba - e apertaram a mão dos guerrilheiros. O grupo rebelde desejou "feliz ano novo" à comitiva antes de se embrenhar na mata. As reféns, então, embarcaram no helicóptero que as levaria a Santo Domingo, já na Venezuela, onde entraram num avião para Caracas. Clara também demonstrou seu agradecimento a Chávez.

- Estamos voltando a renascer. Se visse nossa emoção ao avistarmos o helicóptero - disse ela ao presidente venezuelano.

Chávez prometeu continuar trabalhando pela libertação dos reféns, embora sua mediação e a de Piedad tenham sido suspensas pelo presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, em 2007.

- Espero que em breve possamos falar de um segundo grupo (de reféns a serem libertados - disse Chávez à TV venezuelana.

No aeroporto de Maiquetía, perto de Caracas, as duas ex-reféns encontraram seus familiares. Clara Rojas beijou sua mãe, Clara González Rojas, de 76 anos, que foi até as escadas do avião com a ajuda de um andador.

- Bem-vinda, filha da minha alma. Bem-vinda, filha do meu coração - disse a mãe de Clara.

Consuelo chorou ao ver as filhas, María Fernanda e Patricia, que a receberam com flores, e ao conhecer a neta, de 2 anos, nascida durante o período em que estava na floresta. Uma vida diferente a espera, já que seu marido morreu durante o período em que estava seqüestrada. Os familiares de Consuelo usavam camisetas com a inscrição: "Liberdade para todos já."

- É o melhor dia da minha vida - disse Patricia, filha de Consuelo.

Consuelo contou que o dia no cativeiro começava cedo, às 5h, que os reféns se exercitavam pela manhã, mas que não havia muito mais a fazer. A vigilância maior era sobre os militares, que dormiam amarrados a árvores.

Clara, que dividia a chapa na eleição presidencial com Ingrid Betancourt e foi seqüestrada em fevereiro de 2002, disse que foi separada da amiga no cativeiro "por razões de segurança".

- De Ingrid não tenho notícias há três anos - disse à Rádio Caracol, enviando uma mensagem à amiga: - Ingrid, ânimo, espero vê-la em breve.

Clara contou que ela e Consuelo tiveram que andar por 20 dias antes de serem libertadas. Com elas, vieram provas de vida de mais 16 reféns. À noite, elas foram recebidas por um triunfante Chávez, no Palácio Miraflores. Ele as abraçou e beijou, numa cerimônia em que foram tocados os hinos dos dois países.

Além de Piedad, a missão de resgate foi integrada pelo ministro do Interior da Venezuela, Ramón Rodríguez Chacín; o embaixador de Cuba em Caracas, Germán Sánchez; além de quatro membros da Cruz Vermelha. O governo colombiano suspendeu as ações militares por 12 horas na região para que a operação fosse realizada.

Plano semelhante havia sido organizado no fim do ano passado para libertar Consuelo, Clara e seu filho, o menino Emmanuel. Mas foi suspenso no dia 31, com as Farc alegando que havia operações militares na região. Uribe, então, rebateu as acusações e anunciou que Emmanuel não estava mais com a guerrilha. A afirmação foi confirmada por exames de DNA - num duro golpe para as Farc.

As libertadas faziam parte de um grupo de 46 pessoas que as Farc pretendem trocar por 500 guerrilheiros presos. Entre os reféns estão políticos, como Ingrid, policiais e soldados, além de três americanos. A decisão de libertá-las foi apresentada pelas Farc como um ato de desagravo a Chávez. Esta é a mais importante libertação de reféns desde 2001, quando o grupo soltou cerca de 300 soldados e policiais.

Chacín destacou o gesto das Farc "como o princípio do caminho", dizendo que "virão outras libertações". Piedad, por sua vez, disse que viajará a Brasil, Bolívia, Argentina e Equador com Clara e Consuelo para agradecer as participações desses países na fase anterior do plano, que incluiu observadores internacionais.

- Vamos continuar e agora com mais ímpeto - disse Chávez. - Venezuela continuará abrindo caminhos para a paz na Colômbia. Estamos às ordens.

Uribe não falou sobre o assunto

Em Bogotá, o ministro de Interior e Justiça, Carlos Holguín, disse que o governo está feliz que Clara e Consuelo estejam em liberdade, mas que pensa nos demais reféns das Farc - cerca de 700 pessoas. Uribe não se pronunciou sobre o assunto.

A notícia foi bem recebida pela comunidade internacional, sendo elogiada pela ONU, pela OEA, pela Comissão Européia e pela França, entre outros. O governo brasileiro também manifestou sua satisfação. O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que integrou a comissão internacional na frustrada tentativa de libertação anterior, elogiou Uribe e Chávez.

- Estamos satisfeitos porque se cumpriu o que era o essencial: o êxito na operação humanitária, que pode abrir espaço para que outros entendimentos possam acontecer - disse.

A família de Ingrid também comemorou, com o ex-marido, Fabrice Delloye, pedindo para que o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e o presidente Lula "façam todo o necessário para convencer as Farc, Chávez e Uribe" da necessidade de libertar os reféns.