Título: Inflação na meta por um triz
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 12/01/2008, Economia, p. 23

Pressionado por alimentos, IPCA volta a subir após 4 quedas anuais e fecha 2007 em 4,46%

Por pouco, a meta de inflação estipulada pelo governo para 2007 não foi descumprida. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano passado inverteu uma trajetória de queda que vinha sendo perseguida desde 2002 e fechou o ano em 4,46%, acima dos 3,14% registrados no ano anterior e pouco abaixo da meta oficial de 4,50%. A subida generalizada de preços dos alimentos foi a principal responsável pelo resultado da inflação, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Condições climáticas desfavoráveis, alta do preço de commodities, sobretudo as agrícolas, e o aumento da demanda mundial por alimentos foram os fatores considerados determinantes para o comportamento dos preços no país.

Em dezembro, o IPCA registrou alta de 0,74%, a maior para o último mês do ano desde 2004, quando alcançou 0,86%. A exemplo do que vem ocorrendo no exterior, a inflação brasileira está sob forte pressão dos alimentos. E parece que essa tendência veio para ficar, pelo menos este ano, de acordo com as projeções feitas pela diretora de Pesquisas e Coordenação de Índices do IBGE, Eulina Santos:

- A tendência de alta dos alimentos continuou sendo detectada em dezembro, o que deve impactar o resultado do IPCA de janeiro. A estiagem prolongada, por exemplo, está afetando o plantio do feijão, que já está atrasado.

O feijão carioca foi, disparado, o produto que mais subiu em 2007. A variação foi de 144,42% no ano, ante uma alta de 0,92% em 2006. O aumento expressivo do preço dos alimentos, de um modo geral, foi o grande responsável pelo resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação das famílias com renda entre um e seis salários mínimos. O INPC registrou inflação de 0,97% em dezembro e fechou o ano com elevação de 5,16%.

BC parou de cortar juros em outubro

A discussão sobre o alvo da meta de inflação se transformou numa batalha interna no governo em meados de 2007. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendia a manutenção da meta em 4,5% para 2008 e 2009. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, queria 4%, mas foi vencido. Na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho, a decisão foi manter os 4,5%. Logo depois, Meirelles declarou à imprensa que, independentemente da decisão, o BC perseguiria a meta de 4%.

Se isso tivesse valido para o ano passado, a meta teria "furado", observam analistas. Outros ponderam que se o BC estivesse mesmo disposto a lutar pelos 4%, inclusive em 2007, deveria ter interrompido a queda dos juros bem antes. Ao longo do ano, o BC baixou os juros em 0,5 ponto percentual a cada reunião do Comitê de Política Monetária. Em setembro, o corte foi só de 0,25. Em outubro, a redução dos juros foi interrompida. Alguns especialistas perguntam se não teria sido tarde demais.

A dona de casa Berenice Meldau Seawright sentiu no bolso o impacto dos preços medidos pelo IBGE, principalmente do feijão e da carne:

-- Foi um aumento brutal. A saída foi gastar mais tempo buscando preços melhores, em açougues e supermercados, e variar o cardápio em casa, usando outros produtos. Hoje, não faço mais carne todos os dias e já mudei a marca do feijão que usava por outra mais barata.

A explicação para a subida dos preços nos açougues é reflexo direto do que ocorre num mundo globalizado, segundo o economista Elson Teles, da Concórdia Corretora. A decisão dos Estados Unidos de estimularem a produção de milho para aumentar a oferta de etanol, por exemplo, não só reduziu as exportações americanas, como fez a plantação desse grão avançar sobre a de soja. A conseqüência foi uma alta generalizada nos produtos agropecuários, como a carne, já que a soja é um insumo para rações dos bovinos.

No Brasil, as carnes subiram 22,15% no ano e exerceram a maior pressão individual no IPCA: 0,39 ponto percentual. Outros alimentos que tiveram forte alta foram o pão francês (7,93%), o macarrão (7,68%) e os biscoitos (5,2%).

- Prefiro não fazer projeções, mas admito que estamos trabalhando com a hipótese de que a inflação dos alimentos sofrerá um arrefecimento em 2008 - afirma Teles, que trabalha com a expectativa de os alimentos subirem, em média, 5%, abaixo dos 10,79% registrados pelo IPCA no ano passado.

O peso dos alimentos no índice é de 21,44% nas despesas das famílias, contra a participação de 78,56% dos não-alimentícios. Ao contrário do que aconteceu em 2007, os preços de produtos não-alimentícios foram os principais responsáveis pela inflação medida pelo IPCA nos anos anteriores.

- Os alimentos vão continuar subindo, mas bem menos. Temos muita gordura para cortar. Em 2008, outros produtos não-alimentícios, como a energia elétrica, por exemplo, podem voltar a pressionar - afirma o economista André Braz, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Dólar reduziu pressão sobre índice

Estudos preliminares feitos pela consultoria LCA indicam que os focos recentes de pressão, sobretudo os alimentos, tendem a perder força nos próximos meses. Os economistas da LCA trabalham com a expectativa de inflação de 4% para 2008.

À exceção da alta das commodities agrícolas, que foi ainda mais intensa do que o estimado pelos economistas, todos os demais focos de pressão tiveram intensidade um pouco mais branda do que a projetada no ano passado. Houve surpresas favoráveis nos grupos de saúde e cuidados pessoais e de artigos de residência, associadas, em boa medida, à deflação nos preços de produtos farmacêuticos e aparelhos eletroeletrônicos, por causa da desvalorização do dólar.

O comportamento dos preços administrados também favoreceu o consumidor em 2007. Houve, por exemplo, um recuo de 6,16% nas tarifas de energia elétrica, a maior contribuição negativa para o IPCA. Este ano, porém, a tendência é que as tarifas de eletricidade voltem a subir no país, porque os reajustes vão considerar os índices de inflação de 2007.