Título: Chávez quer Farc fora de lista do terror
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Fonte: O Globo, 12/01/2008, O Mundo, p. 29

DE VOLTA À LIBERDADE

Presidente venezuelano irrita Colômbia ao pedir que grupo guerrilheiro seja aceito como força insurgente

CARACAS

Um dia após receber Clara Rojas e Consuelo González, libertadas pela guerrilha colombiana, com pompa no Palácio de Miraflores, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pediu ontem aos países do continente e da Europa que retirem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) da lista de organizações terroristas e os reconheçam "como grupos insurgentes" - uma afirmação que deve acirrar as divergências com o governo colombiano e que seria logo depois classificada por Bogotá como "insólita e desproporcional".

- As Farc e o ELN não são grupos terroristas, são verdadeiros exércitos que ocupam espaços na Colômbia. É preciso dar-lhes reconhecimento, pois são forças insurgentes com um projeto político, um projeto bolivariano - enfatizou, em sua mensagem anual na Assembléia Nacional. - Senhor presidente da Colômbia, quero retomar com o senhor o diálogo, mas em novo nível. Peço-lhe que comecemos reconhecendo as Farc e o ELN como forças insurgentes, e assim peço aos governos do continente e do mundo.

Chávez afirmou que essa classificação só se mantém por pressão dos Estados Unidos. O discurso causou mal-estar em alguns setores, e o jornal "El Tiempo" interpretou o pedido como condição para normalizar a relação com o país vizinho. A solicitação foi recusada pelo governo colombiano, que num comunicado afirmou: "Todos os grupos violentos da Colômbia são terroristas. Terroristas são as Farc, o ELN, os paramilitares em processo de desmobilização. São terroristas por atentarem contra uma democracia respeitável e por seus métodos de extermínio da Humanidade".

- É um pedido totalmente insólito e desproporcional. O governo não pode permitir um pedido desta natureza - completou, em Bogotá, o ministro do Interior, Carlos Holguín.

No discurso, Chávez disse que analisa a possibilidade de convocar um referendo em 2009 para os venezuelanos decidirem se concluirá seu mandato em 2013. Ele proporia, então, "uma pequena emenda" constitucional permitindo a reeleição indefinida.

Reféns pedem cidadania a Chávez

Em meio a um conflito interno de quatro décadas, as Farc contam hoje com cerca de 17 mil combatentes, e o ELN com outros 5 mil, sendo ambos listados como organizações terroristas por EUA e União Européia. As Farc têm ligação com o tráfico de drogas e mantêm 774 reféns em seu poder. Na quinta-feira, o grupo soltou Clara, ex-candidata à vice-presidência, e a ex-deputada Consuelo como ato de desagravo a Chávez, que teve a mediação para a libertação de reféns suspensa pelo presidente Alvaro Uribe no ano passado. Embora a libertação das duas reféns tenha sido celebrada pelos colombianos, analistas advertem que o fim da guerra ainda está longe. Natalia Springer chegou a levantar a possibilidade de as Farc terem sido pagas pelos governos de França e Venezuela para soltar as duas mulheres.

- Existe alguma certeza sobre a negociação da transação, que passaria por algumas contas especiais. Inclusive se falou que uma pessoa dentro do governo Chávez teria se oposto a esse pagamento - disse ela à CNN.

No final da noite de quinta-feira, Uribe agradeceu a Chávez por seu "esforço e eficiência" na operação e convidou as Farc a "considerar uma negociação sincera, ágil e de boa fé, cercada por garantias democráticas".

- Nossa gratidão ao presidente Chávez por seu esforço e eficiência na libertação de nossas compatriotas.

Uribe, no entanto, lembrou os outros reféns, entre eles os 44 que o grupo pretende trocar por 500 presos. O presidente ressaltou que mantém a proposta de uma zona de encontro no Vale de Cauca. As Farc, no entanto, insistiram ontem na desmilitarização dos municípios de Florida e Pradero, e ressaltaram que são "uma força beligerante que espera ser reconhecida". "Nossa luta sustenta-se no direito que todos os povos têm de manifestar-se contra a opressão", diz a nota.

Além de Clara e Consuelo, a guerrilha entregou "provas de vida de 8 a 10 reféns", disse a senadora Piedad Córdoba, que participou da missão. Um grupo de reféns enviou ainda a Chávez uma carta, pedindo que lhes conceda cidadania venezuelana.