Título: Um morto a cada 3 km nas rodovias de RJ e SP
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 13/01/2008, O País, p. 10

UMA TRAGÉDIA BRASILEIRA: Levantamento mostra que nem sempre qualidade é sinônimo de segurança nas estradas.

Segundo pesquisa da Polícia Rodoviária Federal, Minas, com a maior malha, é palco de um banho de sangue.

BRASÍLIA. A tragédia que ganha dimensões de massacre, ao fim de cada feriado prolongado nas estradas brasileiras, é mais cruel nos dois principais estados do país. As rodovias federais do Rio de Janeiro e de São Paulo são hoje as mais violentas do país, revela estatística inédita feita pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). Nelas, uma pessoa morreu a cada três quilômetros em 2007. O dado mostra que nem sempre estradas em boa qualidade - caso, principalmente, das rodovias paulistas - são sinônimo de segurança. Para a PRF, a mistura explosiva de álcool, alta velocidade e excesso de horas ao volante - nesse caso, de motoristas de ônibus e caminhões - tem sido determinante.

Pela primeira vez, a PRF contabilizou os números de acidentes, mortos e feridos levando em consideração o tamanho de cada rodovia. A metodologia, usada internacionalmente, derrubou a crença de que as estradas de Minas Gerais são as mais perigosas. Como Minas tem a maior malha rodoviária federal, com mais de 12 mil quilômetros, o estado continua, em números absolutos, sendo palco do maior banho de sangue do país - só no ano passado, foram 1.129 mortes.

No Rio, 508 mortos em 1.480 quilômetros de rodovia

Proporcionalmente, no entanto, a matança nas estradas fluminenses e paulistas foi maior. No Rio, 508 pessoas morreram em apenas 1.480 quilômetros de rodovia policiada. Em São Paulo, foram 357 vítimas em 1.061 quilômetros.

No ranking de mortes nas estradas, Rio e São Paulo foram acompanhados de perto pelo Espírito Santo. As rodovias federais capixabas registraram, em 2007, uma morte a cada 3,5 quilômetros. Em seguida, vêm Paraná e Santa Catarina, com uma morte a cada 4,3 quilômetros. Minas Gerais aparece em sétimo lugar (uma morte em cada 5,3 quilômetros).

Rio e São Paulo podem atribuir boa parte do título de malha rodoviária mais violenta do país aos 402 quilômetros da Via Dutra, justamente o principal eixo de ligação entre os dois estados. Privatizada em 1996, a estrada que já foi sinônimo de descaso é hoje quase toda duplicada, tem boa pavimentação e sinalização, além de socorro médico em toda sua extensão. Mas nada disso impediu que, ano passado, fossem registrados 12.600 acidentes e 438 mortos.

Alguns trechos da Dutra têm números de uma calamidade pública. Nos 30 quilômetros que separam a rodovia da entrada da cidade de São Paulo morreram 60 pessoas em 2007 - duas a cada dia. Na outra ponta, na chegada ao Rio, o número de mortos foi o mesmo. Não por acaso, os trechos mais violentos estão próximos a áreas urbanas, com maior movimento e a presença maciça de motoristas sem experiência em rodovias.

Para a PRF, a Dutra é prova de que a irresponsabilidade dos motoristas é o fator que mais contribui para os acidentes.

- Infelizmente, os motoristas estão hoje mais preocupados com o dano material do que com a segurança. Nas estradas ruins, preocupam-se em não danificar o carro. Nas boas, têm pressa. Querem compensar o tempo perdido - diz o novo coordenador de Controle Operacional da PRF, inspetor José Roberto Soares.

O abuso da velocidade é comprovado pelo número de infrações cometidas em 2007. Segundo a PRF, foram aplicadas 2,1 milhões de multas por meio de radares, o maior já registrado no país. Para Soares, porém, as multas perderam o poder de inibir o excesso de velocidade porque são hoje baratas demais.

- Quando o Código Nacional de Trânsito entrou em vigor (em 1997) as multas eram altas e as infrações caíram muito. Hoje, (as infrações) foram rebaixadas a infrações leves e as multas são insignificantes.

As estatísticas também mostram que São Paulo liderou o ranking dos acidentes do ano passado. As estradas paulistas registram nove ocorrências em cada quilômetro, seguidas pelas do Espírito Santo (7,58 acidentes por quilômetro), Rio de Janeiro (7,44), Santa Catarina (5,74) e Paraná (5,23).

Para especialista, órgãos envolvidos não atuam juntos

Coordenador de estudos sobre trânsito e morte em estradas, o professor Paulo Fleury, do Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que os números de acidentes e mortes por quilômetro no Brasil superam em até dez vezes os registrados em países como Itália, Inglaterra e Japão. Segundo Fleury, as estatísticas não diminuem porque os órgãos federais que têm responsabilidade de estabelecer políticas públicas para as estradas não trabalham em conjunto.

- A verdade é que esses órgãos não conversam. Quando houve a tragédia do Natal, por exemplo (196 pessoas morreram), só o Ministério da Justiça se pronunciou publicamente - diz ele.

A Polícia Rodoviária Federal, responsável pela fiscalização das leis nas estradas, também tem problemas. A corporação conta há quase 20 anos com o mesmo número de policiais (cerca de 9.700). E pior: em 2008, poderá ter orçamento menor do que o de 2007 - R$248 milhões contra R$200 milhões inseridos na proposta de orçamento que tramita no Congresso.