Título: Sem CPMF, base de fiscalização foi perdida
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 13/01/2008, Economia, p. 27

OAB e STF questionam acesso à movimentação financeira dos cidadãos.

BRASÍLIA. O combate à sonegação tributária que resultou em autuações recordes pode ficar prejudicado este ano. Isso porque, em 2007, o trabalho de fiscalização se apoiou fortemente no cruzamento de dados fiscais dos contribuintes com sua movimentação financeira, com base na CPMF. Não à toa, com o fim da cobrança do chamado imposto do cheque este ano, o governo correu para editar novas regras de fiscalização. Mas elas estão sendo amplamente contestadas.

Com base na lei complementar 105, o governo determinou que os bancos precisam repassar semestralmente ao Fisco os dados de contribuintes que movimentem, em seis meses, mais do que R$5 mil, no caso das pessoas físicas, e R$10 mil, no caso das empresas.

A regra vale para quase todos os tipos de transação financeira: depósitos e saques em conta corrente e poupança, pagamentos e débitos vinculados à conta, operações de compra e venda de títulos de renda fixa ou variável, com cartões de crédito e de arrendamento mercantil, aplicações em fundos e aquisições de moeda estrangeira.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello alegam que as novas regras são inconstitucionais porque ferem o direito dos cidadãos de terem seu sigilo de dados preservado. Eles afirmam ainda que a Receita está tratando todos os contribuintes como suspeitos de sonegação, pois pede acesso à movimentação financeira de quase toda a população.

Receita: gastos individuais não serão revelados

O Fisco, por sua vez, informa que o acesso aos dados dos contribuintes já era obtido por meio da própria lei complementar 105, que agora está sendo contestada, via movimentações com cartões de crédito. Além disso, técnicos da Receita alegam que a nova regra dá acesso a valores globais e não aos detalhes de como cada contribuinte gastou seu dinheiro.

- Sem a movimentação financeira, a Receita perde sua principal ferramenta de combate à sonegação - afirmou um técnico, acrescentando que a quebra de sigilo de um contribuinte só ocorre depois que ele se recusa a prestar esclarecimento num procedimento de fiscalização.

Pelas regras em vigor, a Receita recebe a movimentação financeira dos contribuintes e, após um cruzamento de dados, seleciona as que tenham apresentado discrepâncias nas informações. É instaurado então um procedimento de fiscalização - que envolve entre 12 mil e 15 mil pessoas físicas por ano - e os contribuintes são intimados a prestar esclarecimentos. Se o contribuinte se negar a colaborar, somente aí a Receita, à revelia do investigado, pede extratos e outros documentos ao banco. (Martha Beck)