Título: Recessão nos EUA é inevitável e afetará Brasil
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 13/01/2008, Economia, p. 28

Ex-economista-chefe do FMI, que previu crise, defende reformas urgentes para país resistir melhor ao choque externo.

No auge do boom imobiliário americano, quando a farra do crédito fez disparar os preços dos imóveis, o economista Kenneth Rogoff, professor de Harvard, foi um dos primeiros a alertar sobre o risco de uma crise global. Acostumado a lidar com adversidades - foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 2001 e 2003, logo após o 11 de Setembro -, ele é enfático: a recessão nos EUA é inevitável, com efeitos inclusive na economia brasileira. Em entrevista por e-mail, Rogoff defende reformas urgentes no Brasil para que o país sobreviva ao choque externo. A seu ver, a recessão é iminente: ela "chegou para o almoço e parece que vai ficar para o jantar".

Juliana Rangel

Três anos atrás, o senhor fez um alerta sobre os financiamentos imobiliários americanos e seus riscos. Na época, o banco central americano (Federal Reserve, ou Fed) começava a elevar o juro básico da economia, depois que ele chegou ao piso de 1% em 2004. Diante dos problemas que emergiram nos últimos meses, o senhor acha que o pior já passou ou ainda está por vir?

KENNETH ROGOFF: Ainda estamos longe de ter passado do pior. Os preços dos imóveis nos Estados Unidos continuarão a cair em 2008 e 2009, na maior parte das regiões. Nacionalmente, a queda poderá chegar a 15% ou 20% em relação ao pico. Em alguns estados, como Flórida, esta desvalorização poderá ficar entre 40% e 50%. Na medida em que os preços caírem, os problemas de inadimplência aumentarão e se espalharão para outros setores de crédito, não apenas no segmento subprime (para credores de alto risco). Já assistimos a este fenômeno em Michigan, onde as taxas de criação de emprego estão mais fracas. Conforme os calotes se espalharem, mais bancos terão problemas de liquidez e os reguladores terão que intervir, pelo menos, em quatro bancos de médio porte. Existe, inclusive, uma chance de o governo intervir na Freddie Mac e na Fannie Mae, que são praticamente agências governamentais de hipotecas. É quase certo que as coisas vão ficar bem piores antes de uma melhora.

Em março de 2007, quando os problemas começaram, o senhor disse que os Estados Unidos não estavam em crise. O que mudou de lá para cá?

ROGOFF: Em março de 2007, a economia estava em um momento de forte expansão e teve, logo depois, um crescimento de 4,9% no terceiro trimestre. Mas as coisas desandaram, com as condições do mercado de trabalho dando uma guinada dramática para pior. Agora, não há dúvidas de que o crescimento americano se desacelerou e já está rastejando. O país cresceu rapidamente durante um longo ciclo e era esperado que este movimento fosse interrompido em algum momento. Porém, a expansão teria durado mais um ou dois anos, se não fosse a crise. O problema é que a recessão veio para o almoço e poderá ficar para o jantar. E o principal motivo foi a queda dos preços dos imóveis e da produtividade, combinada com uma forte restrição do crédito causada pelas turbulências com os subprime. Infelizmente, o risco é de os Estados Unidos experimentarem não apenas uma recessão, mas uma recessão bem forte.

Cortes maiores na taxa básica de juros são festejadas pelo mercado. Eles serão suficientes para evitar o desaquecimento econômico?

ROGOFF: Isto poderá ajudar, mas não tanto. Quando Greenspan (Alan Greenspan, ex-presidente do Fed) baixou o juro até 1% ao ano depois do 11 de setembro, a economia estava mais forte. A produtividade estava em ascensão por conta do boom tecnológico e os preços das moradias subiam, independentemente do Fed. O cenário agora é muito mais desfavorável. Os preços das commodities estão nas alturas e o dólar está se desvalorizando. Isso impõe pressões inflacionárias significativas sobre os EUA, dificultando uma postura mais agressiva do Fed em relação aos juros.

O que mais pode ser feito?

ROGOFF: Não há nada que possa ser feito para evitar a queda dos preços reais dos imóveis (descontada a inflação). Mas o Fed pode permitir que a inflação fique um pouco maior para que o valor nominal não caia tanto. Além disso, deverá haver melhorias na regulamentação de empréstimos, o que irá, pelo menos, evitar que o problema seja tão grande na próxima vez.

O Brasil será afetado pelos Estados Unidos, no caso de um agravamento da crise?

ROGOFF: É claro que o Brasil irá sofrer se os EUA entrarem em recessão, ainda que a economia esteja mais forte e diversificada que em 2001. Mas se a Ásia, especialmente a China, e a Europa continuarem crescendo decentemente, os preços das commodities não irão cair e o Brasil poderá redirecionar suas exportações para além dos EUA. No entanto, no caso de uma profunda recessão americana, que parece ser o mais provável, o mundo inteiro sofrerá. Os EUA ainda contribuem para um quarto do PIB mundial e são o maior importador do mundo de manufaturados. A idéia de que o mundo "se descolou" dos EUA é pretensiosa.

O que o Brasil pode fazer para ser menos afetado por uma desaceleração global?

ROGOFF: Infelizmente, não há muito a fazer além de continuar tentando tornar a economia mais flexível e o mercado direcionado, de forma que possa reagir mais rapidamente a choques. E isto envolve reformas no mercado de trabalho e uma abertura comercial maior do país.

Recentemente, o governo brasileiro perdeu R$40 bilhões em arrecadação de impostos, com a CPMF, e decidiu elevar outros impostos para compensar parte desta perda. O senhor acha que as dificuldades de negociação com a oposição podem atrasar a recomendação de investimento do país a ser feita pelas agências classificadoras de risco?

ROGOFF: O Brasil precisa reduzir os gastos governamentais e os impostos, que cresceram inexoravelmente nos último dez anos. Os brasileiros pagam impostos maiores do que se paga em outros países emergentes e recebe um serviço, incluindo educação e assistência judiciária, medíocres. No entanto, apesar das dificuldades, o Brasil continua no caminho para alcançar o grau de investimento, caso não passemos por uma recessão. Depois da performance pífia das agências de risco (na previsão da crise dos créditos subprime) é mais fácil a Moody"s quebrar que o Brasil.

Na comparação com outros Brics (grupo de emergentes que inclui Rússia, Índia e China), o Brasil estará em uma situação melhor ou pior no caso de uma deterioração da economia americana?

ROGOFF: Todos os Brics estão vulneráveis. A Rússia, por exemplo, produz muito pouco além de commodities. Se houver uma forte queda dos preços, especialmente do petróleo e do gás natural, a economia entrará em colapso. A China tem uma produção diversificada, mas os EUA ainda ficam com um terço de todas as suas exportações. A Índia tem na terceirização seu setor mais dinâmico, e depende muito da demanda americana. O Brasil ainda tem uma dívida pública muito grande e a minha preocupação principal é que o país, que estava apenas começando a ter um crescimento mais decente nos últimos anos, tenha este ciclo interrompido no caso de uma recessão mundial. Se, de alguma maneira, as reformas brasileiras fossem aprofundadas, o país poderia, facilmente, crescer a um nível de 7% ou mais por um período sustentado.

Mesmo no caso de uma recessão americana?

ROGOFF: Uma recessão severa nos Estados Unidos, ou seja, um crescimento nulo em 2008, poderia reduzir o crescimento econômico do Brasil em um ponto percentual, mesmo depois das reformas. No entanto, o risco de uma recessão no Brasil seria muito menor.