Título: O efeito calendário
Autor: Paul, Gustavo; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 14/01/2008, Economia, p. 13

Com recorde de dias úteis, 2008 terá faturamento maior na indústria e no comércio.

Obrasileiro irá trabalhar mais em 2008, cujo calendário fará a festa da economia e ajudará no ritmo de crescimento. A grande maioria dos feriados nacionais cairá nos sábados e nos domingos, principalmente no segundo semestre. Será o ano com maior número de dias úteis desde o início da década: 254, contra 250 em 2007 e 249 em 2006. Mais dias de trabalho terão reflexo na indústria e no comércio interno e externo. Só em exportações e importações, espera-se um fluxo de US$5 bilhões a mais. No varejo do Rio, deverá ser movimentado pelo menos mais R$1,2 bilhão em relação a 2007 - sem contar os efeitos de não se emendarem tantos feriados.

Esses feriadões - quando, tradicionalmente, a população enforca um dia útil - serão seis este ano, contra nove em 2007. Tirando maio, em que dois feriados ainda possibilitarão emendar com fins de semana, o restante dos meses permitirá que a produção industrial, as exportações e o comércio funcionem a pleno vapor.

- Haverá um reflexo importante para a atividade econômica, pois muito da trajetória da economia é influenciado pelo calendário - explica o economista Paulo Mol, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Até o carnaval este ano ajudará o bloco da economia. Pela primeira vez em muitos anos, a folia ocorrerá no início de fevereiro, antes mesmo do retorno dos trabalhos parlamentares. Desde 1913, a festa não começa tão cedo - fevereiro, aliás, terá 29 dias em 2008, ano bissexto. Como, tradicionalmente, o país e o Congresso só engrenam depois do carnaval, trata-se de uma notícia auspiciosa. Isso levou a equipe econômica do governo a comemorar.

- A vantagem é que o carnaval é cedo, e, por isso, o trabalho começa mais cedo - comemora o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, de olho no calendário parlamentar, que não será interrompido logo no início dos trabalhos.

A expectativa do setor produtivo é que um carnaval mais próximo do início do ano levará as empresas e o comércio a anteciparem projetos que normalmente são deslanchados algumas semanas após a festa. Professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Araújo acredita que isso levará à antecipação de receitas em algumas semanas:

- Esse faturamento, que normalmente começa a acontecer a partir de abril, vai surgir em março.

Economista: "Muito feriado é coisa para país rico"

Para o coordenador de indústria do IBGE, Silvio Sales, o efeito calendário fará a maior parte da indústria trabalhar mais, sem interrupções. Existem exceções, é claro: aqueles setores que não param nunca, nem nos feriados, como as indústrias de siderurgia, papel e celulose e produção de petróleo. Melhor ainda é o fato de que não existirão feriados no segundo semestre.

- Entre agosto e novembro, a indústria aumenta sua produção, que chega ao pique. Num cenário favorável para a economia, o calendário estimula ainda mais o empresariado - diz Sales.

Para uma economia aquecida, trata-se de um ingrediente adicional. O economista Fabio Silveira, da RC Consultores, lembra que o calendário ajudará a dar sustentação ao crescimento brasileiro:

- Muito feriado, aliás, é coisa para país rico.

O diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Gomes de Almeida, reforça:

- Um dia útil faz muita diferença. Basta vermos a produção industrial em novembro, que teve uma queda de 1,8%, porque houve um número menor de dias úteis.

Ele observa que não há como se fazer uma conta exata, tendo em vista que há setores com produção contínua, como o siderúrgico, que têm aumento de custos nos feriados, com o pagamento de horas extras. Mas Almeida estima que, de forma geral, um feriado no meio da semana corresponde a uma queda de 1% da produção em um mês cheio.

O coordenador do Núcleo de Economia da Federação do Comércio do Rio de Janeiro, João Carlos Gomes, acredita que o setor vai arrecadar mais. Segundo ele, cada dia de feriado representa uma perda média de R$600 milhões no faturamento do comércio só no estado, a maior parte na capital.

- O fluxo de pessoas nas lojas não será interrompido - lembra.

Esse otimismo está presente entre os comerciantes de Brasília. Animado, Marco Antonio Machado, dono de uma pequena loja de doces, comemora:

- Um dia de feriado é péssimo. Não temos o porte de lojas de shopping centers, que abrem de segunda a segunda.

- Quanto mais as pessoas ficarem na cidade, mais elas gastam aqui - confirma a gerente de uma floricultura da capital, Jonilma Costa.

Para Carlos Gregio, proprietário de uma revenda de equipamentos hospitalares, no entanto, a redução do número de feriados não fará diferença. Seu principal cliente é o governo federal, que faz os contratos e as compras, normalmente, de forma antecipada.

Especialista em comércio exterior há muitos anos, o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, afirma que não se lembra de um ano com 254 dias úteis. Levando em conta uma média diária, que pode ser conservadora, de US$500 milhões, esses cinco dias a mais vão gerar US$2,5 bilhões em exportações.

- Num ano de incertezas, US$2,5 bilhões fazem uma bela diferença - afirma Castro.