Título: Dieta comercial
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 15/01/2008, Economia, p. 16

Em 2007, o saldo comercial emagreceu 13%. Na primeira semana de 2008, foi de apenas US$70 milhões. No Focus de ontem, a previsão do ano caiu US$1,3 bi. O Brasil entrou na era de saldos comerciais mais magros. É resultado do crescimento maior, do dólar baixo, do aumento das importações. No ano passado, o Brasil importou quase US$30 bilhões a mais e exportou mais R$22,8 bilhões. Saldo menor não é sinal de crise.

O saldo continuará caindo este ano, com as importações crescendo em ritmo e volume maiores que os das exportações. A queda deve ser mais forte que a de 2007. A MB Associados, desde o fim do ano passado, já previa um saldo de US$30 bilhões em 2008 e de US$20 bilhões em 2009. Ontem, pelo Boletim Focus, chegou nos US$30 bi. Já o Departamento Econômico do Bradesco divulgou relatório, no fim de 2007, prevendo US$31 bilhões em 2008 e US$28 bi em 2009.

No ano passado, mesmo com o dólar tendo caído muito mais do que se esperava, as exportações continuaram aumentando. No começo de 2007, o mercado projetava, para o fim do ano, dólar a R$2,20. Terminou em R$1,70. Apesar disso, material de transporte, principal item de exportação brasileira, que explica 15% das vendas para o exterior, cresceu em 2007. Em parte, pela venda de aviões; mas também pela exportação de veículos, o que é interessante por ocorrer no meio de um boom de venda de automóveis internamente.

O Brasil tende a ver queda de saldo comercial como problema; importação como risco e déficit em conta corrente como sinal de perigo. Mas, de agora em diante, o país terá exatamente: queda do saldo, aumento da importação e déficit em conta corrente. E isso não tem que ser ruim.

A conta corrente negativa pode ser facilmente financiada; não será problema. Foi no passado, quando havia um enorme e crescente déficit, que se tornou insustentável.

O aumento das importações pode ser tanto para ajudar a conter preços, reduzir custo de produção; ou pode ser o caminho para aumentar a produção e a produtividade da economia brasileira, com as importações de bens de capital. De qualquer maneira, o mais importante é o volume de comércio, que, no Brasil, tem crescido.

Com saldo em queda, conta corrente indo para o negativo, pode aumentar um pouco a pressão sobre o dólar, permitindo até uma valorização da moeda americana a partir de 2009, depois de cinco anos de desvalorização. A crise americana pode reduzir a entrada de capital nos países emergentes, o que diminuiria a valorização das moedas locais.

Isso ajudaria a exportação a médio prazo. Mas ninguém prevê mudança forte na taxa de câmbio, porque o Brasil ainda será fortemente superavitário no comércio.

O que é preocupante é o fato de que, com um volume de comércio sempre crescente, existam tão poucos investimentos na melhoria da estrutura logística do país. Entra ano, sai ano, e os portos e estradas continuam em situação de calamidade, com melhoras apenas pontuais. O Brasil tem uma malha rodoviária e uma estrutura portuária já completamente exauridas, que estão carregando um peso maior a cada ano. É insustentável.

A falta de investimento em infra-estrutura, a falta da reforma tributária, o adiamento da legislação microeconômica é que ameaçam o comércio internacional brasileiro. Eles teriam o poder de melhorar a competitividade e eficiência da economia.

Além disso, o Brasil precisa de uma estratégia de comércio internacional. Com as negociações da Rodada Doha paradas, com a morte da proposta de uma área de livre comércio nas Américas e com o Mercosul em crise, é necessário alguma estratégia de comércio que vá além das viagens presidenciais.

Neste 1º de janeiro, a Organização Mundial do Comércio completou 60 anos (ela conta, evidentemente, o tempo em que se chamava Gatt). A comemoração acontece num período em que a OMC não consegue fechar a nova rodada comercial, mas tem a apresentar um saldo impressionante de aumento do volume mundial comercializado. O Brasil surfou nessa onda - às vezes por mérito próprio, às vezes graças à valorização dos preços das commodities -, mas não aumentou de forma relevante sua participação no comércio mundial. Continua com um pouco mais que 1%.

Além disso, o país precisa se preparar para os desafios de médio e longo prazo do comércio internacional, entendendo mais precisamente o que significa a entrada do tema ambiental na agenda global. Nossos produtos são extraordinariamente vulneráveis a barreiras ambientais. Carne, soja, cana-de-açúcar se produzidas na Amazônia não terão espaço no comércio internacional pois serão rejeitadas pelos próprios consumidores. O veto pode acabar atingindo até quem produz corretamente, e em outras regiões. Minério de ferro e aços atingidos por qualquer denúncia de agressões ambientais também enfrentarão dificuldades. O tema entrou para sempre na agenda do planeta.

Portanto, não é a queda do saldo comercial, o déficit em transações correntes, o aumento da importação que ameaçam o país, mas, sim, o pouco investimento em logística, o adiamento das reformas, a estratégia errada das negociações comerciais e a falta de visão de longo prazo na questão ambiental. Esses são os verdadeiros perigos.