Título: O mundo ainda depende dos EUA
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 17/01/2008, Economia, p. 19

AMEAÇA GLOBAL

Para especialista, impacto da crise americana para emergentes está sendo subestimado.

"Descolamento", ou "desacoplagem", virou a palavra da moda nos relatórios do mercado financeiro. Muitos analistas prevêem que, dessa vez, uma recessão nos EUA não seria tão cruel para países emergentes, que teriam alçado vôo próprio, sobretudo desde o advento da China como potência econômica. Não é o que pensa Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim. Pettis, que deu aulas em Columbia e trabalhou em Wall Street - no Bear Stearns, foi responsável por América Latina - acredita que a dependência dos EUA se manteve ou até mesmo aumentou. Ele explica que isso pode ser medido pelo peso das importações americanas sobre o PIB mundial (de 3,7% em 2001, para 4% hoje). Em entrevista por e-mail, Pettis afirma que a crise nos EUA afetará, sim, a Ásia e os demais emergentes.

Luciana Rodrigues

Muitos analistas acreditam que o crescimento da Ásia, e em especial da China, poderia compensar o impacto de uma recessão nos Estados Unidos. O senhor concorda?

MICHAEL PETTIS: Estão subestimando o impacto do desaquecimento dos EUA, sobretudo para a Ásia. Para os países de forma individual, as vendas para os Estados Unidos caíram como proporção de suas exportações totais. Isso pode indicar menor dependência dos EUA. Ou pode significar maior especialização nas cadeias produtivas, com mais comércio entre países numa mesma linha de suprimento. Trata-se da segunda hipótese. Os países estão se especializando em determinada fase de cada produto, para depois embarcá-lo a outros países, que terminam seu processamento e, por último, vendem para os EUA. O comércio entre países aumentou, e a parcela vendida para os EUA caiu. Mas não diminuiu a dependência do consumo final americano. Um forte desaquecimento dos EUA seria sincronizado com uma forte desaceleração nas economias asiáticas e, depois, nos demais emergentes.

O senhor avalia que o mundo está mais dependente dos EUA, já que o peso das importações americanas em relação ao PIB mundial aumentou. Mas, desde o início de 2006, os emergentes têm acelerado seu ritmo, enquanto as economias centrais têm perdido força. O que explica isso?

PETTIS: A crise nos EUA veio depois de um longo período de expansão monetária no mundo (corte de juros nos países ricos). As economias asiáticas sacrificaram suas próprias políticas monetárias para manterem suas moedas artificialmente desvalorizadas e, de certa forma, acabaram importando a expansão monetária (dos países ricos). Isso empurrou a indústria desses países, de forma desequilibrada. Se o desaquecimento nos EUA provocar uma forte queda nas exportações asiáticas, num primeiro momento continuaremos a ver um rápido crescimento na China, por exemplo, ainda em conseqüência da expansão de liqüidez anterior. Mas essa maior produção industrial não levará a uma alta nas vendas, e sim a um acúmulo de estoques. E, em seguida, a um forte freio na produção.

E os demais emergentes?

PETTIS: O crescimento da Ásia está por trás da expansão dos outros emergentes devido à demanda asiática por commodities. Se houver uma forte desaceleração nos países desenvolvidos (cenário do qual ainda não estou absolutamente convencido), isso será acompanhado, com alguma defasagem, pelas economias asiáticas. E depois contaminará os outros países em desenvolvimento por meio de queda no preço das commodities.

Os EUA estão em recessão ou estão em vias de entrar em recessão?

PETTIS: Sim. Mas a recessão será relativamente suave. A queda do dólar tem levado, recentemente, a uma forte recuperação das exportações americanas, e isso vai parcialmente mitigar o impacto do desaquecimento provocado pela crise imobiliária.

A China já sentiu o efeito da crise?

PETTIS: Isso não ocorreu ainda. Deve ocorrer neste primeiro trimestre ou no segundo trimestre de 2008.

As exportações brasileiras cresceram mais para outros emergentes, e o governo tem comemorado o comércio Sul-Sul. Para países como o Brasil, qual é o impacto da crise nos EUA?

PETTIS: Se isso coincidir com um desaquecimento na China e no resto da Ásia, certamente levará a uma queda no preço das commodities. As altas recentes beneficiaram o Brasil a curto prazo, mas, ao aumentar a dependência do país desse tipo de exportação, eu temo que tenha deixado o Brasil ainda mais vulnerável.