Título: Hora da razão
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 17/01/2008, Economia, p. 20

O economista americano Thomas Trebat acha que o consumidor está na frente dos economistas dos bancos, dos políticos, e até do Fed na avaliação do risco que a economia dos Estados Unidos corre neste momento e, por isso, está cortando o consumo. Trebat lembra que o bolso das pessoas está fortemente atingido pelo aumento do custo do aquecimento neste inverno. O corte de juros não vai adiantar muito, segundo Tom.

Trebat trabalhou no Citibank e hoje é professor da Universidade de Columbia. Distante do mercado, apesar de conhecê-lo, não fica prisioneiro da tendência no mercado de excesso de otimismo, o chamado wishful thinking (mais desejo que razão).

- O que houve é que o sistema de cálculo de risco não está funcionando; estamos sendo derrotados pelo excesso de otimismo - diz ele.

Agora os analistas estão confiantes na queda das taxas de juros a ser anunciada pelo Fed, e Tom acha que isso pode ser ineficiente.

- O Fed tentará aumentar a liquidez, enquanto os bancos com prejuízos estão fazendo o oposto. O Citi anunciou que está havendo um aumento do calote todos os meses em todas as áreas, além da imobiliária. Assim, por prudência, está cortando a concessão de cartão de crédito, de empréstimo para carro. Ou seja, está cortando liquidez.

A crise tem sido relatada apenas pelo aspecto financeiro:

- Essas perdas são históricas. Nunca tivemos tanto sangue nos balanços das empresas desde os anos 80. E haverá outras perdas no decorrer de 2008. Estamos em território não explorado - afirmou.

Ele alerta também para outra dimensão mais doméstica - e sazonal - da crise:

- O americano médio está gastando uma fortuna para se aquecer neste inverno. O aquecimento das casas é feito com gás natural, que subiu muito, e derivados de petróleo, que subiram demais. Está sendo um golpe no bolso do consumidor.

Lá, a cotação internacional é repassada imediatamente para o preço. Isso tira renda do consumidor, que já perdeu renda com a alta dos custos dos financiamentos, com a alta dos preços dos alimentos e a perda de crédito.

Tom acha que a crise não é sentida igualmente em todo o país, mas que os estados que sentem mais fortemente são Michigan - e por isso, dos eleitores ouvidos lá, 51% disseram que a economia é o assunto mais importante desta campanha -, Flórida, Califórnia, Arizona e Illinois. Ele vê como ociosa a discussão se os Estados Unidos estão tecnicamente numa recessão.

- Isso não interessa tanto. O importante é que as pessoas estão sentindo as dores de uma recessão. Enquanto isso, nosso presidente está na Arábia Saudita ganhando cavalos de raça e pedras preciosas. Acho que está mais alienado que o George Bush, o pai, em 1992.

A crise dá vantagem aos democratas. Mesmo assim, os programas oferecidos pelos diversos candidatos para reverter a situação econômica são tímidos.

- Hillary está propondo congelar as prestações da casa própria para não ampliar a onda de calotes. Tem candidato propondo pacote de US$75 bilhões, outro de US$70 bilhões e, só com o impacto do aumento do combustível e do custo da energia, já se tem um volume de US$150 bilhões. Esses pacotes, mesmo se implementados a curto prazo, deixariam a economia na linha d"água. O Fed está atrasado; os políticos, atrasados; e o governo, com seu pacote de estímulo, está muito atrasado.

Perguntei a Tom Trebat, que é especialista em economia brasileira e hoje dirige o Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia, se ele acredita que a economia mundial conseguirá não ser atingida por uma recessão americana, como têm sustentado economistas do mercado financeiro, com a tese do "descasamento" dos mercados desenvolvido e emergente.

- Isso é, como diria Bill Clinton, um conto de fadas.

Tom acha que, apesar de todas as boas notícias, o Brasil é hoje muito mais globalizado do que já foi no passado, e isso funciona nas duas direções: aproveitam-se as vantagens da globalização, e enfrentam-se também as dores da globalização.

- O Brasil é superavitário no comércio, mas repare que os setores que produzem esse superávit são poucos; está muito concentrado. É uma minoria de empresas. Há um grande número de empresas fragilizadas. O Brasil ainda é dependente do fluxo de fora, porque tem uma poupança muito baixa. Com essa perda de crédito, vai sobrar para todos os tomadores de crédito. O superávit comercial parou de crescer, e as exportações estão aumentando num ritmo menor. O país pode ser atingido pela queda do preço das commodities.

Há uma onda de revisão para baixo das perspectivas de crescimento da Europa, e a Índia, que tem sido "uma máquina de gerar emprego", está demitindo nos últimos dias. Tom Trebat acha que os analistas de mercado estão, em sua maioria, ou tentando ver a realidade através de óculos cor-de-rosa, ou estão prevendo o futuro com os olhos no espelho retrovisor. Na visão dele, a situação econômica americana está mais difícil do que aparece na maioria das análises.