Título: Fidel reconhece que não pode falar em público
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Fonte: O Globo, 17/01/2008, O Mundo, p. 27

Líder cubano admite não ter "capacidade física" para discursos e reclama de só poder escrever.

HAVANA. O líder cubano Fidel Castro reconheceu ontem que não tem condições físicas de fazer aparições públicas. A declaração, parte de um artigo que os jornais estatais publicaram ontem, foi um banho de água fria para quem acreditou que ele poderia estar prestes a voltar ao poder, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter dito que "Fidel está pronto" para "assumir o papel político que tem em Cuba", momentos depois de uma reunião com o cubano.

Na terça-feira, Fidel e Lula se encontraram e conversaram por duas horas e meia. Ontem, um vídeo de cerca de um minuto e meio exibiu trechos da reunião, mostrando os dois se abraçando e, rindo, tirando fotos um do outros. O cubano aparece magro e pálido, mas bem disposto e com a barba curta e bem cuidada e com o agasalho esportivo que tem sido a marca de todos as suas aparições durante a doença. Foi a primeira vez que os cubanos puderam ver imagens de Fidel em três meses. Mas o assunto do dia na ilha foram as declarações do líder, que transferiu o poder para o irmão, Raúl Castro, em 31 de julho de 2006.

Texto confuso e com defeitos de estrutura

"Não desfruto da capacidade física necessária para falar diretamente com os moradores do município onde me indicaram para a disputa das eleições do próximo domingo", escreveu Fidel, referindo-se às eleições cubanas para a escolha do próximo Parlamento, no qual apenas membros do Partido Comunista podem ser candidatos.

O líder cubano, que se tornou internacionalmente conhecido pelos longos discursos em eventos públicos, deixou claro que a nova situação lhe desagrada.

"Faço o que posso: escrevo. Constitui para mim uma experiência nova: não é o mesmo escrever do que falar. Hoje, que disponho de mais tempo para me informar e meditar sobre o que vejo, apenas é possível para mim escrever", prossegue o texto, que é datado do dia 14, um dia antes do encontro com Lula, portanto.

Ao contrário de outras de suas dezenas de artigos publicados desde março do ano passado, chamados "Reflexões do presidente Fidel Castro" (os primeiros se referiam a ele como "comandante"), o texto publicado ontem está confuso, com graves defeitos de estrutura. O parágrafo em que reconhece sua incapacidade de falar em público é o terceiro de um texto que começa falando sobre a visita do presidente americano, George W. Bush, ao Oriente Médio. Sem qualquer sentido, ele muda o assunto, para depois continuar a falar de Bush.

Fidel, após outra menção ao americano, passa a relacionar o aumento dos preços do petróleo e dos alimentos no mercado internacional, sem que isso tenha qualquer relação com a viagem do presidente dos EUA à Arábia Saudita. Ele elogia o Brasil, "que já se auto-abastece de combustível e possui abundantes reservas" e "cultiva quase todos os alimentos". Então, ele volta a discorrer sobre sua nova forma de expressão, a escrita:

"A escrita, como muitas pessoas sabem, é um instrumento de expressão que carece de rapidez, o tom, a mímica da linguagem falada, que não utiliza sinais. Escrever tem a vantagem de se poder fazer a qualquer hora do dia ou da noite, mas não se sabe quem vai ler, muito poucos podem resistir à tentação de melhorar (o texto), incluir o que não disse e tirar parte do que foi dito; às vezes sentes o desejo de jogar tudo no lixo por não ter um interlocutor diante de ti."