Título: Vacina de US$145 bi
Autor:
Fonte: O Globo, 19/01/2008, Economia, p. 19

Bush anuncia pacote fiscal para evitar recessão, mas deixa detalhes para o Congresso.

Uma vacina anti-recessiva de US$145 bilhões. Este é o valor estimado do pacote fiscal prometido ontem pelo presidente americano, George W. Bush, para evitar que os Estados Unidos caiam em recessão. Bush quer restituição dos impostos dos contribuintes e incentivos para as empresas, no que chamou de "uma injeção para manter saudável uma economia basicamente forte".

Em pronunciamento na Casa Branca, o presidente afirmou que a maior prioridade de seu governo, agora, é conseguir a aprovação do pacote no Congresso:

- Esse pacote precisa ser grande o bastante para fazer efeito em uma economia tão grande e dinâmica como a nossa, o que significa que deve ser em torno de 1% do PIB. Esse pacote deve ter por base um amplo alívio fiscal que afete diretamente nossa expansão econômica, e não o tipo de projetos de gastos que teriam pouco ou nenhum impacto imediato em nossa economia. Esse pacote de crescimento precisa ser temporário e fazer efeito imediatamente.

Mas os mercados não ficaram muito animados com as promessas de Bush. Em Nova York, o Dow Jones fechou em queda de 0,49%, atingindo seu menor patamar em dez meses. Nasdaq caiu 0,29% e S&P, 0,60%. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) caiu logo após o discurso - por volta das 14h30m no Brasil -, mas acabou se recuperando no fim do pregão, fechando em alta de 0,82%. Tim Evans, analista do Citigroup, resumiu o sentimento do mercado:

- A boa notícia é que o governo está agindo, o que pode resultar em um desempenho econômico mais sólido daqui a seis meses. A má notícia é que essa pressa confirma o quão frágil está a economia atualmente.

Secretário prevê criar 500 mil vagas

Como Bush não deu um valor específico para o pacote, falando apenas em 1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), analistas começaram a especular sobre o montante exato. No terceiro trimestre de 2007, o PIB americano anualizado atingiu US$13,97 trilhões. Assessores da Casa Branca falaram em US$145 bilhões, enquanto o secretário do Tesouro, Henry Paulson, que acompanhou Bush no pronunciamento, disse mais tarde que ficaria entre US$140 bilhões e US$150 bilhões.

Paulson, que ficou encarregado de negociar o pacote com o Congresso - de maioria democrata -, disse que as medidas devem criar 500 mil empregos este ano:

- O custo de não agir tornou-se muito alto. Precisamos agir já.

Mas o secretário do Tesouro não deu detalhes sobre que medidas seriam essas. Bush falou em incentivos fiscais para que as empresas voltem a investir e restituição do Imposto de Renda das pessoas físicas. Essa restituição garantiria aos contribuintes o recebimento de cheques de US$800 - no caso de pessoas solteiras - e US$1.600 - no caso de famílias -, segundo o valor estimado do pacote. Isso seria feito, segundo o site CNNMoney, por meio da eliminação da alíquota de 10% do IR.

O problema é quanto tempo vai demorar até que os contribuintes recebam os cheques. Representantes do Partido Democrata - maioria no Congresso - acreditam que as negociações com Paulson levem de 30 a 45 dias. E o Internal Revenue Service (IRS, o Fisco americano), que está no período de recebimento das declarações de 2007, só poderia enviar os cheques em junho, afirmou à CNN o analista Jason Furman, da consultoria Brookings Institution. O IRS não comentou o assunto. O "Wall Street Journal" lembrou que, nos cortes de impostos de 2001 e 2003, o IRS levou cerca de dez semanas para enviar os cheques. James W. Paulsen, estrategista da Wells Capital Management, teme que a ajuda de Washington venha tarde demais:

- Quando alguma medida for aprovada, terá passado o momento em que ela era necessária.

A porta-voz da Câmara, Nancy Pelosi, disse acreditar que um acordo pode ser fechado em 30 dias. Paulson, ressaltando que "ninguém está decorando uma árvore de Natal", disse que, se o pacote for amplo e simples, a negociação será rápida.

Bush não usou o termo recessão, mas admitiu que os EUA estão em desaceleração.

- Meus assessores e muitos especialistas prevêem que nossa economia continuará a crescer, mas em uma taxa menor que a dos últimos anos - afirmou Bush, ressaltando que a melhor maneira de estimular o consumo é colocar dinheiro nas mãos dos contribuintes. - Os americanos poderão usar esse dinheiro como preferir: para ajudar com suas contas mensais, cobrir gastos maiores com combustível ou outras necessidades.

Pré-candidatos criticam proposta

Mesmo antes de ser anunciado, o pacote já era alvo de críticas. Em editorial ontem, com o título "Somos todos keynesianos agora", o "Wall Street Journal" afirmou que o governo Bush adotou uma política fiscal dos anos 70. Segundo o editorial, a melhor maneira de pôr dinheiro nas mãos dos mais pobres é criar empregos, não dar cheques que terão de sair dos cofres do governo ou do bolso de algum outro contribuinte. Segundo o "Journal", novos gastos federais não podem ser temporários: "como se um dólar arrecadado em impostos ou emprestado e depois gasto pudesse ser recolhido de volta".

Bush tocou ontem em outro ponto polêmico: tornar permanentes os cortes de impostos feitos em 2001 e 2003, que expiram em 2010. Mesmo tendo aceitado deixar esse ponto fora das negociações do pacote, ele fez um apelo em seu discurso:

- Se o Congresso não agir, os americanos enfrentarão maciça alta de impostos em menos de três anos.

Essa medida, porém, enfrenta forte oposição dos democratas, que defendem, como medida de estímulo à economia, o aumento do valor dos cupons de alimentação distribuídos às famílias pobres, bem como do seguro-desemprego. Nem Bernanke apóia essa proposta de Bush.

Os pré-candidatos à Presidência dos EUA mostraram ceticismo. Para a democrata Hillary Clinton, o pacote é insuficiente. Já o republicano John McCain disse querer saber "de onde virá o dinheiro", já que o país enfrenta severos déficits fiscal e comercial. (Com "New York Times", Bloomberg News e agências internacionais)