Título: A última cartada
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 19/01/2008, Economia, p. 20

O presidente George Bush não foi específico em seu plano de estímulo econômico, mas deu uma pista: seu valor será o dobro do que têm proposto os dois candidatos democratas. Talvez a sétima cavalaria não chegue a tempo, e Bush termine seu mandato com o país ainda num ambiente recessivo, mas esta é a única cartada que lhe resta. E ele quer jogar com o Congresso.

Quem prestou atenção no discurso feito por Bush ontem viu mais que os US$140 bilhões que ele prometeu. Em todo o discurso, Bush foi cuidadoso em dizer que a bola estava com o Congresso, que tinha ouvido lideranças dos dois partidos antes de concluir que era necessário um pacote, em pedir que as duas Casas entrem num acordo para aprovação imediata.

No mercado financeiro, houve uma certa decepção. Talvez porque os americanos estão indo para um feriadão (a próxima segunda-feira é feriado) depois de uma semana de 5% de queda nas bolsas; talvez por falta de medidas concretas. Mas o grande mérito é exatamente não ser um pacote imposto. As medidas serão formuladas nas negociações com o Congresso para que haja mais facilidade de aprovação. O banco Goldman Sachs acredita que pode ser porque ainda falta consenso. Conversei ontem com fontes do governo americano que explicaram que o pacote vai ser aprovado rapidamente, mas terá que seguir um ritual. O primeiro passo foi o de ontem; o segundo será a negociação entre o secretário do Tesouro, Henry Paulson, com o Congresso em termos de medidas específicas; o terceiro será a negociação da aprovação das medidas. Dizem que tudo vai andar rápido, pois democratas e republicanos estão convencidos de que se tem que evitar o aprofundamento da recessão.

Existe um prazo para que as medidas econômicas produzam efeito. As medidas monetárias são mais lentas, mesmo assim, o mercado mudou novamente as apostas para a próxima reunião. Há um mês, a maioria acreditava que, na reunião do fim de janeiro, o Fed reduziria os juros em apenas 0,25 ponto percentual. Há dez dias, a maior parte já apostava em 0,50 p.p. Ontem, metade já previa 0,75 p.p. nesta reunião, e 1,9 ponto percentual de corte até o fim do ano.

Sempre irônico, o economista Paul Krugman perguntou no seu blog: "Você compraria uma política econômica usada destes três homens?" Os três eram Bush, Paulson e o vice-presidente, Dick Cheney. É um produto difícil de vender a quem quer que seja. Afinal, quando assumiu, Bush pegou um país crescendo, com superávit orçamentário; em dois anos, levou-o a 3,5% de déficit (agora está em 1,2% de déficit), o dólar perdeu metade do seu valor e o país está entrando em recessão.

Mas os meios e modos de se fazer um pacote são um produto que talvez haja quem queira comprar. Pelo menos, aqui no Brasil. Bush disse que, antes de ir para o Oriente Médio, consultou membros do Congresso sobre o assunto. Na volta, depois de "discussões com membros do Congresso", concluiu que o pacote era necessário. Para manter a economia crescendo, "o Congresso e o governo precisam trabalhar". Mais adiante, ele disse que, como o Congresso considera fazer um plano, ele precisa ter as seguintes características. Foi quando citou uma redução de impostos que beneficie pessoas e empresas e que seja de 1% do PIB. No final, "ontem eu falei com lideranças dos dois partidos no Congresso". Disse que, a partir dessas conversas, concluiu que é possível uma aprovação bipartidária do pacote. Foi assim, reiteradamente, que falou do parlamento em seu discurso. Aqui foi bem diferente: o pacote de Lula foi baixado por medida provisória, surpreendendo o Congresso, que estava confiando na palavra do presidente de não aumento de impostos e de nada acontecer até a volta do recesso. Isso sem falar que lá é de redução de impostos; aqui, de alta.

Basicamente o que eles estão procurando é fazer um pacote conjunto em que o processo pareça começar no Congresso, mas com as medidas específicas propostas pelo Executivo, e que, no processo de negociação, fique claro que terá apoio dos dois partidos.

O Partido Democrata não gosta da idéia do presidente de manter a redução de tributos que foi aprovada entre 2001 e 2003 para valer até 2010. Bush quer que fique para sempre; os democratas são contra. Se ele incluir isso na medida, complica.

Funcionários americanos acham que, em algumas semanas, o pacote será uma realidade e já estará beneficiando famílias e empresas. Porém os economistas explicam que há uma distância entre ação e reação econômica. Ainda que medidas fiscais tenham resultado mais rápido. Aqui no Brasil, os mais otimistas acham que, no segundo semestre, a economia pode estar começando a dar sinais de melhora. Mas há quem aposte que melhora só no fim do ano, após as eleições. O eleitor ainda votaria com o fantasma da recessão na porta.

O pacote tem riscos. O primeiro é de alimentar o processo de enfraquecimento do dólar. O segundo é de desorganizar ainda mais as contas públicas. O terceiro é de não atingir seus objetivos se a crise de confiança e o temor da perda de emprego continuarem. Ontem o jornal "The New York Times" foi ouvir pessoas na rua sobre o que fariam se recebessem os US$800 de estímulo fiscal. Mesmo com a crise, houve quem dissesse que "compraria alguma coisa; um laptop novo, por exemplo". Sempre se pode confiar na compulsão americana por consumir que, se funcionar, pode atenuar a crise.