Título: Não chores por mim, América
Autor: Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 19/01/2008, Economia, p. 21

México. Brasil. Argentina. México, de novo. Tailândia. Indonésia. Argentina, de novo.

E, agora, os EUA.

A história tem se repetido ao longo dos últimos 30 anos. Investidores globais, desapontados com os lucros que vêm obtendo, buscam alternativas. Eles pensam que encontraram o que procuram em algum outro país, e o dinheiro corre.

Mas eventualmente torna-se claro que as oportunidades de investimento não eram como pareciam ser, e o dinheiro vai embora de novo, com desagradáveis conseqüências para os antigos favoritos no mercado financeiro. Essa é a história das múltiplas crises financeiras da América Latina e da Ásia. E também é a história das bolhas imobiliária e de crédito americanas. Estes dias, temos interpretado o papel usualmente atribuído às economias do Terceiro Mundo.

Por razões que explicarei adiante, é improvável que os Estados Unidos sofram uma recessão severa como aquela que atingiu a Argentina. Mas as origens do nosso problema são as mesmas. E entender essas origens também nos ajuda a entender os erros da política externa americana.

As origens globais da confusão em que nos encontramos hoje foram apontadas por ninguém menos que Ben Bernanke, em um influente discurso proferido no início de 2005, antes de ele ser nomeado para a presidência do Federal Reserve. Bernanke fez uma boa pergunta: por que os Estados Unidos, com a maior economia do mundo, estão tomando pesados empréstimos nos mercados de capitais internacionais - em vez de emprestar, como seria mais natural?

Sua resposta foi que a principal explicação residia não nos Estados Unidos, mas no exterior. Em particular nas economias do Terceiro Mundo, que haviam sido as preferidas dos investidores desde os anos 90 e que foram sacudidas por uma série de crises financeiras a partir de 1997. Como resultado, elas abruptamente se transformaram de destinos em fontes de capital, uma vez que seus governos começaram a acumular enormes reservas de ativos no exterior.

O resultado, disse Bernanke, "foi um excesso de reserva global": um monte de dinheiro pronto para ir a lugar algum.

No fim, a maior parte daquele dinheiro acabou indo para os Estados Unidos. Por quê? Por causa "do profundo e sofisticado mercado financeiro do país", disse Bernanke.

Tudo isso estava certo, com exceção de uma coisa: os mercados financeiros americanos, revelou-se depois, eram menos caracterizados por uma sofisticação que por um sofismo, que meu dicionário define como "um argumento deliberadamente inválido, mas aparentemente de raciocínio original, com o objetivo de enganar alguém". Exemplo: "Reembrulhar empréstimos duvidosos em obrigações de dívida garantidas cria vários ativos perfeitamente seguros, que nunca terão mau desempenho".

Em outras palavras, os Estados Unidos não estavam, de fato, preparados para fazer uso dos fundos extras mundiais. O país era, em vez disso, um lugar onde grandes somas poderiam ser e foram mal investidas. Direta ou indiretamente, o capital que fluiu para os EUA acabou financiando uma bolha imobiliária e de crédito que agora estourou, com dolorosas conseqüências.

A salvação dos Estados Unidos é que nossas dívidas estão na nossa moeda. Isso significa que não teremos o mesmo tipo de morte financeira que a Argentina, na qual a desvalorização do peso fez com que o valor da dívida do país - em dólar - explodisse em relação aos ativos domésticos.

Mas, mesmo sem aqueles efeitos monetários, os próximos um ou dois anos poderão ser bem desagradáveis.

O que poderia ter sido feito de diferente? Alguns críticos dizem que o Fed ajudou a inflar a bolha imobiliária com taxas de juros baixas. Mas aquelas taxas tinham boas razões.

O real pecado, tanto do Fed como da administração Bush, foi o fracasso em exercer uma supervisão adulta sobre os mercados que cresciam de forma selvagem.

O fato é que o sistema financeiro dos Estados Unidos se tornou mais complexo e cresceu para além da regulação bancária que costumava nos proteger.

PAUL KRUGMAN é colunista do "New York Times"