Título: R$10 bilhões pelo ralo
Autor: Tavares, Mônica; Batista , Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 21/01/2008, Economia, p. 13

O FANTASMA DO APAGÃO

Desperdício de energia no país equivale a consumo anual de indústrias e comércio no Sul.

Em meio ao risco de mais um racionamento no Brasil, autoridades, especialistas e até consumidores admitem que desperdiçam grande parte da energia gerada no país - 10%, segundo estimativas oficiais. Isto significa que vão para o ralo R$9,727 bilhões ao ano, o equivalente ao consumo anual das residências de Nordeste, Sul e Centro-Oeste - 36,936 Twh, ou seja, milhões de megawatts-hora (MWh) - ou dos consumidores industriais e comerciais do Sul em um ano (38,562 Twh). Além da descontinuidade de programas educativos e hábitos errados, o preço alto e a desinformação sobre produtos mais eficientes são incentivos extras ao esbanjamento.

O caso das geladeiras, que respondem em média por 22% do consumo residencial no Brasil, é emblemático. Segundo pesquisa do GLOBO numa loja do Ponto Frio em Brasília, um consumidor que queira comprar um refrigerador na faixa dos 300 litros mais econômico - selo A do Procel, numa escala que vai até G - terá que desembolsar até R$1.300 a mais.

Dos quatro modelos disponíveis, o Consul (321 l) com o selo C sai a R$1.099,99, e o Continental (336 l) da mesma categoria, a R$1.199,99. O Brastemp de 319 litros, que ostenta o selo B e, portanto, é mais econômico, custa R$1.599,99. Top de linha em conservação de energia (selo A) nesta faixa de refrigeradores, o Brastemp de 321 litros é vendido a R$2.399,99.

Produtos eficientes são bem mais caros

Já nas Casas Bahia, também na capital federal, na mesma faixa de 300 litros, o refrigerador mais caro (R$1.599), o Consul (314 l), é, ao mesmo tempo, o que tem menos capacidade e o que menos economiza eletricidade. A mesma fabricante tem um modelo de 321 litros a R$1.199, com selo B, mais econômico. Já o selo A é encontrado no Continental de 388 l, a R$1.499. Como é maior que os demais, compensa para o cliente desembolsar R$300.

Isso porque, segundo o Programa Nacional de Conservação de Energia (Procel), esta simples escolha pode reduzir em 2,7% o consumo mensal de uma família - o equivalente ao gasto médio com ferro de passar roupa ou com a aparelhagem de som. Por isso, especialistas como o professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (Coppe) da UFRJ Luis Pinguelli Rosa defendem que deve haver incentivo tributário para reduzir os preços dos eletrodomésticos mais econômicos.

O casal Luís e Viviam Machado comemoraria. No momento em que eles pretendem trocar de refrigerador e máquina de lavar, as pesquisas realizadas pelo funcionário público e pela terapeuta demonstram que, em geral, as geladeiras mais econômicas são mais caras.

- Pretendemos comprar um modelo mais eficiente. Mas isso se ele não for muito mais caro do que os similares - reconheceu Luís.

Os amigos André Ramos e Márcio Rodrigues, que também iniciam pesquisas para a troca de geladeiras, indicam outro problema: quase nunca os vendedores informam corretamente a questão do selo Procel.

- Óbvio que prefiro a geladeira mais econômica, mas nem sempre temos a informação - disse Ramos.

O Ministério de Minas e Energia reconhece esta deficiência: não se dialoga nem se treina o varejo. A diretora do Departamento de Desenvolvimento Energético da pasta, Laura Porto, sofreu na pele este problema ao comprar um fogão. Para ela, a identificação de modelos econômicos não está amplamente divulgada, o que inibe a conscientização da população:

- Em todas as lojas a que fui, primeiro me mostravam o preço, quais as condições de pagamento. Só depois que eu perguntava, me mostravam se já tinha selo, pois a classificação é recente em fogões.

As pessoas que trabalham com o varejo afirmam que o problema é mais amplo. Segundo Enéas Júnior, gerente da loja Star Móveis, os consumidores não estão preocupados com a economia de energia:

- Na época do apagão, os consumidores vinham ver os preços com papel e caneta, e faziam as contas para saber se não ultrapassariam o limite de consumo. Agora, quase ninguém pergunta.

Procel Educação foi reduzido à metade

Milton Marques, coordenador nacional do Procel Educação, reforça a necessidade de novas medidas de incentivo à economia de energia. Além do incentivo tributário para a compra de equipamentos mais eficientes, o foco deve ser a conscientização. Ele lembra que dentro do programa Procel Educação, que foi reduzido a menos da metade em 2007, ações neste sentido tiveram resultado positivo.

- Cada aluno treinado passava por um acompanhamento de um ano e meio, e gerava em sua casa uma economia anual equivalente ao consumo mensal de uma residência média do Brasil. Se programas como este fossem mantidos, certamente estaríamos em situação melhor.

Marques afirma que os estudos do órgão indicam desperdício de 10% de toda a energia gerada no país. As residências representam um quarto de todo o consumo.

Laura Porto, do Minas e Energia, informa que foi encomendado, via consultoria do Banco Mundial, um estudo sobre redução de impostos para produtos energicamente eficientes. Mas reconhece que isso se tornou mais difícil após o fim da CPMF.