Título: Sem dívida externa
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 21/01/2008, Economia, p. 14

Nas próximas semanas, quiçá ainda no mês de fevereiro, as reservas cambiais acumuladas pelo Banco Central devem alcançar o valor total da dívida externa brasileira. A diferença, no momento está em torno de US$10 bilhões, mas deverá encurtar rapidamente com a compra de dólares pelo BC e também porque muitos empréstimos de curto prazo estão sendo amortizados.

Sem dívida externa líquida, e com uma receita em moeda estrangeira suficiente para pagar todas as suas contas no exterior, o passivo da economia brasileira em outras moedas que não o real estará concentrado nos investimentos diretos estrangeiros no país.

Mas é um passivo de melhor qualidade, mais benéfico para a economia brasileira que o endividamento. A dívida externa, além de custo ainda relativamente alto, tem data e hora para pagamento na moeda em que foi contratada. Já o retorno do capital direto investido depende de como andam os negócios no Brasil. Se houver lucro, o valor equivalente ao capital principal pode ser remetido ao exterior em um prazo de oito anos sem incidência de tributos adicionais (nada impede legalmente o investidor de acelerar essas remessas, mas o encurtamento dos prazos é desestimulado por uma tabela progressiva de Imposto de Renda, que tributa mais os que repatriam anualmente além de 12% do capital registrado no Brasil). As regras são um pouco diferentes no caso dos investimentos no mercado de ações e na compra de títulos de renda fixa, mas as operações financeiras de curtíssimo prazo também sofrem um tipo de taxação que inibe certos movimentos especulativos.

Desse modo, o investimento direto só é remunerado se o crescimento da economia brasileira e o ambiente de negócios lhe proporcionar lucros. Já o credor de dívida geralmente se cerca de garantias para receber tanto nos bons como nos maus momentos da economia. O devedor paga, tenha lucro ou não.

Os credores são parceiros eventuais da economia brasileira; já os investidores diretos criam vínculos mais duradouros, quase permanentes. Até porque, para repatriarem completamente o capital principal (e não apenas os lucros e dividendos), precisam que algum outro investidor pague por esse patrimônio. E se for estrangeiro, o efeito cambial da operação pode ser nulo - muitas vezes a transferência de propriedade é feita diretamente no exterior, não envolvendo movimentação de moeda no Brasil.

Embora o investimento estrangeiro direto no Brasil tenha batido recordes no ano passado - e o resultado disso seja um aumento das remessas de lucros e dividendos ao exterior, em contraste com a queda no pagamento de juros por causa do encolhimento da dívida -, a tendência é que grande parte desse passivo em moeda estrangeira seja contrabalançado pelas inversões de capitais brasileiros lá fora. Por enquanto, os brasileiros estão na fase de reinvestir os ganhos apurados no exterior e assim, a curto prazo, as receitas no item lucros e dividendos ainda são bem inferiores às remessas, até porque pelo menos US$100 bilhões do estoque de investimento estrangeiro no país é antigo e há muito passou da fase de maturação.

A Prefeitura do Rio resolveu, enfim, estimular as empresas de tecnologia de informação (informática, transmissão de dados etc.) e enviou para a Câmara dos Vereadores, no segundo semestre do ano passado, um projeto de lei que, além de reduzir a alíquota de ISS de 5% para 2%, ainda permite que esse imposto seja usado como crédito tributário (abatimento de IPTU, ou imposto de transmissão, por exemplo, quando um imóvel é adquirido no município para uso próprio da empresa).

Os vereadores aprovaram o projeto em primeira votação, mas para a lei entrar em vigor precisa passar por um segundo escrutínio, durante o qual são avaliadas as emendas apresentadas nas comissões ou em plenário. Sabe-se lá por qual razão essa votação não anda. Ora volta para as comissões, ora sai de pauta com algum pedido de informação (?). A prefeitura lava as mãos, até porque fez o prometido ao setor, que envolve desde empresas com um só indivíduo até orçamentos gigantes em TI, como o da Petrobras (cerca de R$1 bilhão por ano). Há cerca de dez mil registros de empresas que poderiam ser catalogadas no ramo.

A Câmara do Rio tem uma fama horrível. O prédio que abriga sua sede na Cinelândia sempre foi chamado de "Gaiola de Ouro" e, pejorativamente, a Câmara continua sendo conhecida assim. Na atual legislatura, vereadores chegaram a ser presos, sob acusações terríveis na Justiça, e foram fotografados algemados. O legislativo municipal tem enorme responsabilidade, mas o mundo empresarial sente arrepios quando precisa de apoio da Câmara, vista mais como balcão de negócios do que como uma instituição que trabalha em prol da recuperação da cidade e defende os interesses dos munícipes. Nasci na Rua do Riachuelo (antiga Mata-Cavalos, cenário de livros de Machado de Assis). Sou carioca da gema, como se diz por aqui. Escrevo então esse tipo de nota com tristeza, mas na esperança de mexer com os brios de vereadores para que eles se empenhem pela recuperação da combalida imagem da Câmara.

Fuga de capitais? Para os Estados Unidos, epicentro da crise financeira? Para a Bolsa de Xangai? O mais seguro é ficar por aqui.