Título: Fidel envia voto em eleição para Parlamento
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Fonte: O Globo, 21/01/2008, O Mundo, p. 20

Assembléia Nacional decidirá em fevereiro se líder cubano permanece à frente do governo apesar de problemas de saúde

HAVANA. Os cubanos foram as urnas ontem para eleger um novo Parlamento, que poderá abrir caminho para um governo pós-Fidel Castro, depois do líder comunista passar meio século no poder. A Assembléia Nacional com sua nova formação se reunirá pela primeira vez em 24 de fevereiro, quando decidirá se Fidel Castro permanece à frente do comando do país, se será oficialmente sucedido por seu irmão Raúl Castro ou se abrirá espaço para uma outra liderança.

Fidel está afastado desde julho de 2006

Embora não seja visto em público há quase 18 meses, o convalescente Fidel, de 81 anos, é um dos 614 candidatos incontestáveis que concorrem aos 614 assentos do Parlamento cubano. Ele, no entanto, não apareceu para votar. Enviou seu voto dentro de um envelope lacrado do lugar não revelado onde se recupera desde 31 de julho de 2006, quando ficou doente e transferiu, temporariamente, o poder a seu irmão Raúl, de 76 anos.

- Estamos elegendo um novo Parlamento num momento complicado, em que temos que enfrentar diversas situações e grandes decisões passo a passo - afirmou o presidente interino, Raúl Castro, logo após votar. - Ele (Fidel) está bem de saúde. Sei que tem escrito muito, até quatro ensaios simultaneamente. Considerando que tem 81 anos, ele é forte, saudável e muito produtivo intelectualmente.

A eleição certa de Fidel como parlamentar por Santiago de Cuba permite, legalmente, que ele seja ratificado, em fevereiro, como chefe de Estado. Na semana passada, no entanto, numa coluna escrita para um jornal local, Fidel afirmou que não estava fisicamente apto a falar em público e que se atinha a escrever. À frente do governo cubano desde a revolução de 1959 que criou um Estado comunista a 135 quilômetros dos Estados Unidos, Fidel já indicara, em dezembro passado, que não se apegaria ao poder, nem ficaria no caminho de uma nova geração de governantes.

Confirmando a hipótese de que Fidel deve mesmo se afastar, o chanceler de Cuba, Felipe Pérez Roque, afirmou ontem que a revolução "vai transcender" a geração histórica.

- A revolução teve e tem o privilégio de ser liderada pela geração histórica, mas é um fenômeno que a transcende - disse Roque, logo depois de votar. - O nível de consciência alcançado por nosso povo e seu forte sentimento de unidade, independência e justiça criaram as bases para, se persistirmos e nos mantivermos unidos, preservar sua obra e seu legado para as gerações futuras.

Para os padrões democráticos ocidentais, a eleição de ontem era pró-forma. Os parlamentares, na verdade, já estão determinados, uma vez que o número de candidatos é igual ao de assentos. E a oposição não é representada na Assembléia Nacional.

- Essa é uma eleição sem alternativa, já que só existe um partido - afirmou uma dona-de-casa que se encaminhava às urnas. - Deveriam nos deixar votar diretamente para presidente.

Ainda assim, a eleição de um novo parlamento pode ser determinante para a formação oficial de um novo governo. Alguns observadores estrangeiros acreditam que Raúl precisaria ser oficialmente indicado como presidente para levar a cabo as reformas econômicas prometidas. Mas mesmo que o Parlamento confirme o afastamento de Fidel como chefe de Estado, espera-se que ele continue exercendo forte influência no governo, como primeiro-secretário do Partido Comunista.

Em comunicado divulgado ontem, Fidel não perdeu a chance de espezinhar os Estados Unidos. Segundo ele, a frente fria vinda do Norte "conspirava contra nossas eleições", mas não impediria os cubanos de comparecerem em massa às urnas.

Há semanas, as autoridades vêm convocando os 8,4 milhões de eleitores cubanos a votarem em bloco, como uma forma de demonstrar apoio ao sistema político unipartidário vigente. Apoiando ou não o governo, a presença da maioria dos eleitores era esperada, já que o não comparecimento não é bem visto pelo regime.

Comparecimento substancial às urnas era esperado

Embora o voto não seja obrigatório em Cuba, o comparecimento em eleições, devido às pressões do governo, nunca é inferior a 95%. Ainda assim, alguns eleitores disseram ontem estar votando com esperança de aprimorar suas condições de vida. Como reconheceu o próprio Raúl Castro, os salários são baixos e mudanças estruturais são necessárias para reativar a produção agrícola.

- Precisamos de uma mudança brusca na sociedade, sem demagogia, sem hipocrisia - afirmou Ramón Falcón, um aposentado de 74 anos, logo após votar. - Os problemas devem ser resolvidos a médio prazo, como a alimentação, os altos preços, o roubo e a corrupção.