Título: Pior a emenda que o Orçamento
Autor: Braga, Isabel; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 20/01/2008, O País, p. 3

PRIORIDADES POLÊMICAS

Parlamentares do Rio destinam recursos para outros estados e obras faraônicas.

Instrumento mais direto de intervenção junto ao eleitor, as emendas individuais - poupadas da tesourada pós-CPMF do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - desenham as prioridades dos deputados federais do Rio para o estado. Ou para fora dele: parlamentares destinam parte delas para outros domicílios eleitorais pelo país afora. Outros optam por escolhas polêmicas, que incluem doação a igrejas, subvenção de projetos como o submarino nuclear e construção de obras faraônicas. Grande parte prefere repassar os recursos para entidades filantrópicas.

Eleita pelo Rio com 23.349 votos, a deputada Suely (PR) é uma fiel defensora do bem-estar dos paulistas. Todas as suas emendas foram destinadas para projetos de saúde, educação e construção de quadras esportivas em municípios paulistas. Deputados como Edmilson Valentim (PCdoB), Fernando Gabeira (PV) e Alexandre Santos (PMDB) também destinaram emendas para outros estados. O deputado Índio da Costa (DEM), por exemplo, apresentou emenda de R$5 milhões para a construção de um edifício da Polícia Federal no Distrito Federal. Já o deputado Vinicius Carvalho (PTdoB) destina R$200 mil para o Hospital do Exército de Tabatinga, no Amazonas. Diante do universo de emendas, cerca de 1% privilegia entidades religiosas (R$4,3 milhões). O deputado Pastor Manoel Ferreira (PTB) reservou R$1,1 milhão para igrejas evangélicas e instituições ligadas a elas, no Distrito Federal. E mais R$300 mil para outra igreja, desta vez em Tocantins. Nenhuma igreja no Rio. Não foi o único: o deputado Eduardo Cunha (PMDB) destinou R$380 mil para uma mesma igreja (Catedral da Benção), também com sede em Brasília. A destinação religiosa também foi escolhida pelos parlamentares Marcelo Itagiba (para instituições israelitas e para o Banco da Providência) e Carlos Santana (para terreiros espíritas).

R$1,5 milhão para pórtico em Caxias

Para longe de seu reduto eleitoral - a Região dos Lagos - o deputado Bernardo Ariston (PMDB) apresentou duas emendas, de R$750 mil cada um, para a construção de dois pórticos nas entradas de Duque de Caxias. Na justificativa, ele afirma que o projeto contribui para o embelezamento da cidade, na Baixada Fluminense. De olho no seu reduto, a deputada Solange Amaral (DEM), pré-candidata à Prefeitura do Rio pelo DEM, do prefeito Cesar Maia, destinou 100% de suas emendas à cidade do Rio.

Já para o deputado Jair Bolsonaro (PP), as Forças Armadas são o alvo. Ele contemplou as três forças com a maior parte de suas emendas. E deu ainda R$50 mil para ajudar na construção de um submarino no Rio, orçado em mais de R$400 milhões. Contribuição também dada pelo deputado Ayrton Xerez (DEM), que destinou R$100 mil para o mesmo projeto.

O deputado Otávio Leite (PSDB) privilegiou as ONGs, entidades sem fins lucrativos e até entidades privadas, dividindo os recursos, como um pai faz com diversos filhos: deu para associações de empresas de turismo, clube de chefes de cozinha e ao sindicato de trabalhadores na área. Nem mesmo os jornalistas especializados em turismo deixaram de ser contemplados, com R$100 mil. Também ajudou entidades que fazem ação social, como União de Escoteiros e Associação de Bandeirantes.

Levantamento feito pelo GLOBO com base nos dados da Câmara dos Deputados mostra que a maior parte dos recursos das emendas vai para obras de infra-estrutura. A destinação, no entanto, é genérica. Apenas depois da aprovação dos ministérios correspondentes é que elas se tornarão mais específicas. Até agora, são apenas indicadores de que um banho de obra passará por cidades como Belford Roxo, na Baixada Fluminense, - prevista para receber de três parlamentares cerca de R$6 milhões. Responsáveis pelo maior volume de recursos, as emendas correspondem a R$53,5 milhões. O total de verbas quase empata com o repassado a entidades filantrópicas, como a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) e a Associação Beneficente de Reabilitação (ABBR) - R$53,3 milhões.

O esporte também desperta o interesse dos parlamentares. Em um total de R$46,8 milhões, os deputados fluminenses planejam financiar a construção de quadras poliesportivas, praças para jovens, o futebol feminino e ginásios. A explicação é do coordenador da bancada do Rio, deputado Hugo Leal (PSC):

- Existe uma certa predileção por esporte e por turismo. São áreas em que os recursos saem com mais agilidade. E obviamente há uma questão eleitoral em jogo. As obras, nesses casos, não ficam emperradas.

Na área de Turismo, as emendas, em grande parte genéricas, totalizam R$39 milhões. Áreas como saneamento - presente em apenas 51,7% dos lares brasileiros, segundo pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) - mereceram apenas R$9 milhões em emendas dos parlamentares do Rio. O mesmo acontece com o repasse a municípios para a construção de creches e escolas; apenas R$10,1 milhões. O repasse direto a escolas e universidades chega a R$13,8 milhões.

Cada parlamentar tem direito a apresentar até 25 emendas, num total de R$8 milhões. O mais comum é usar a prerrogativa de dividir o valor, para pulverizar a verba e contemplar mais prefeituras e ONGs. O deputado Leonardo Picciani (PMDB), por exemplo, dividiu o dinheiro em 22 emendas, beneficiando diferentes prefeituras do Estado do Rio. Muitas de suas emendas são destinadas à construção de Praças da Juventude, quadras e ginásio de esportes. Picciani, no entanto, também fez média com a União Nacional dos Estudantes e destinou R$300 mil para a UNE/RJ. Dinheiro direto para a entidade, que também foi beneficiada pelo deputado Edmilson Valentim, ex-militante estudantil, que doou R$100 mil.