Título: Tucanos se bicam
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 20/01/2008, O País, p. 4

O PSDB caminha a passos largos para chegar à campanha da sucessão presidencial de 2010 tão dividido quanto esteve nas duas últimas, correndo o sério risco de transformar-se de favorito em derrotado por seus próprios erros, a não ser que um apagão de energia, ou a crise internacional interrompa o que parece ser um ciclo virtuoso de crescimento econômico do país, repetindo perversa e ironicamente a mesma situação de 2001. Com Lula fora da disputa pela primeira vez desde 1989, as ambições políticas se alvoroçam, e não basta aos tucanos ter o candidato mais bem avaliado nas pesquisas de opinião, o governador de São Paulo, José Serra. E nem mesmo ter uma opção de peso como o governador de Minas, Aécio Neves, que, embora não tenha ainda um prestígio popular nacional ao nível do que tem em seu estado, além de tudo tem características biográficas que o tornam um presidenciável automático.

Surge agora, na esteira da derrota da CPMF no Senado, a tentativa do senador Arthur Virgílio de se colocar como opção partidária para a Presidência, inebriado pela glória repentina que lhe trouxe sua atuação na noite memorável, derrotando os dois presidenciáveis de seu partido.

Se a derrota da CPMF tivesse o condão de transformar seus artífices em postulantes com chances à sucessão de Lula, quem sairia como favorito daquela noite seria algum político dos Democratas, esses sim os verdadeiros líderes daquela campanha.

Como não é assim que funcionam as regras da política, e não se faz um líder popular da noite para o dia, é pouco provável que a pré-candidatura de Arthur Virgílio tenha repercussão, a não ser para embaralhar mais ainda a disputa interna do PSDB.

Outro que está se colocando, mais uma vez aliás, como obstáculo à união partidária é o ex-governador e candidato derrotado à Presidência Geraldo Alckmin. Como na sucessão de 2006, ele está colocando seus projetos pessoais acima dos do partido, impedindo que se construa, a partir de São Paulo, uma base sólida que garanta viabilidade à candidatura de José Serra.

Se a estratégia, explicitada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de apoiar a reeleição de Gilberto Kassab à prefeitura fosse apoiada pelo grupo de Alckmin, ficaria aberta a possibilidade de Serra apresentar-se como o candidato de São Paulo ao PSDB nacional, o que, juntamente com o apoio do DEM e os altos índices de aprovação que as pesquisas lhe dão, praticamente garantiria sua indicação pelo partido sem grandes traumas.

Foi, aliás, o que lhe pediu o governador de Minas, Aécio Neves, seu potencial concorrente: que se mostrasse um candidato viável, capaz de aglutinar apoios. Com São Paulo unido e o apoio dos Democratas, Serra teria todas as credenciais para ser o candidato natural do PSDB.

Ao contrário, e enquanto não se resolve o imbróglio paulista, o governador Aécio Neves vai costurando alianças dentro e fora do PSDB, mostrando que tem capacidade de articulação política para se transformar em um candidato viável, mesmo que ainda não apareça com destaque nas sondagens nacionais de opinião.

Dentro de seu papel, já anunciou o apoio à candidatura de Alckmin à Prefeitura de São Paulo, dificultando o acordo paulista, e conversa com setores do PT e do PMDB, ao mesmo tempo em que o candidatável Ciro Gomes já anunciou que o apoiaria caso ele dispute a Presidência.

A pré-candidatura do senador Arthur Virgílio, mesmo que tenha sido motivada por uma irreal avaliação de seu potencial, pode ter um papel decisivo. Embora no momento a candidatura natural do PSDB seja a de Serra, se o partido, diante de três postulantes, decidir levar a escolha para uma prévia nacional, tudo pode mudar.

O senador amazonense, que era um serrista ferrenho, desentendeu-se com o governador de São Paulo durante as negociações em torno da CPMF, mais do que com o governador de Minas, que defendia a mesma posição de Serra, mas, aparentemente, conseguiu sair da negociação menos avariado.

Serra e Virgílio chegaram a ter um bate-boca ao telefone e, diante de uma exclamação de Serra de que fazer aquilo "seria uma loucura", Virgílio terminou a conversa dizendo "Então eu sou louco".

As relações entre os dois ficaram estremecidas até que, semana passada, Arthur Virgílio comunicou a Serra, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ao presidente do partido, senador Sérgio Guerra, que pretende se apresentar como alternativa para candidato à Presidência da República.

Uma prévia nacional interna é a maneira de escolher o candidato que o governador Aécio Neves vem defendendo desde o início das discussões, enquanto José Serra sempre foi contrário à fórmula, alegando que o partido sairia rachado de uma disputa dessas. Nesse terreno, é possível que Aécio Neves tenha condições de disputar de igual para igual, e até mesmo superar Serra.

Ele é um político habilidoso, que gosta de trabalhar nos bastidores, e foi assim que atropelou a candidatura de Inocêncio de Oliveira para a presidência da Câmara, implodindo a aliança tucana com o PFL que, pelo rodízio, tinha o direito de indicar o nome.

No limite da irresponsabilidade, se a disputa interna ficar muito acirrada e Serra for o indicado nessa circunstância, é possível que setores importantes do partido deixem de apoiar a candidatura oficial, como já aconteceu anteriormente.

O senador Tasso Jereissati tem uma aliança política no Ceará com Ciro Gomes que se sobrepõe aos interesses nacionais, mas gostaria de uma chapa Aécio-Ciro. O próprio governador de Minas, se se sentir menosprezado pelo partido, pode se desinteressar pela disputa, ou aprofundar suas ligações com o PMDB e o PT. E Arthur Virgílio, um político vigoroso e explosivo, pode se transformar em um foco dissidente.