Título: Congresso bloqueia votação de lei que pune militares
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 20/01/2008, O País, p. 13

País é signatário de tratado internacional sobre desaparecimento de pessoas que está pronto para entrar na pauta desde 1995

Evandro Éboli

BRASÍLIA. Por pressão das Forças Armadas, está parado há 12 anos no Congresso projeto que pode abrir brecha para punir os militares responsáveis por torturas e mortes durante a ditadura. O texto da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, da qual o Brasil é signatário, está pronto para ser votado no plenário da Câmara desde outubro de 1995, mas é sempre retirado da pauta. Se aprovado, o governo terá que se comprometer a não ser responsável pelo desaparecimento de pessoas, nem permitir ou tolerar que o fato ocorra, mesmo em estado de emergência, exceção ou suspensão de garantias individuais.

Para militantes de direitos humanos, o texto pode significar uma "revogação" da Lei de Anistia, que impede julgamento de militares que atuaram naquele período. O projeto de decreto legislativo, enviado em 1994 pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, no governo Itamar Franco, prevê "punir os autores, cúmplices e encobridores do delito do desaparecimento forçado de pessoas".

- A resistência em se aprovar o texto da Convenção é uma demonstração de receio dos militares. Se aprovada, vai abrir uma nova etapa no país, com a possibilidade de se julgar aqueles militares que cometeram atrocidades no passado - disse o advogado Augustino Veit, ex-presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça.

No Congresso, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), porta-voz dos militares na Câmara, está à frente da tentativa de impedir a aprovação da convenção.

- Se é para julgar todos que atuaram naquela época, que se incluam os comunistas que mataram e assaltaram bancos e que hoje enchem os bolsos com indenizações de anistiados - disse Bolsonaro, que, ao longo desses anos, apresentou requerimentos para retirar o assunto da pauta de votação.

Para Cecília Coimbra, não há interesse em votar

Dirigente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra diz que o Brasil, entre todos os países que vivenciaram recentes ditaduras na América Latina, é o mais atrasado em relação ao resgate da memória, da reparação das vítimas e do julgamento dos culpados:

- Não é por acaso que nunca se vota esse projeto. É um tema que não interessa. Não existe nenhum estado de emergência que possa justificar o sumiço de alguém pelo agente público.

Para o advogado Belisário Santos Júnior, ex-secretário de Justiça de São Paulo e atual integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos, a ratificação da convenção pelos congressistas será um instrumento a mais para forçar o julgamento desses militares.