Título: A Amazônia engole todos esses megaprojetos
Autor: Bloch, Arnaldo
Fonte: O Globo, 20/01/2008, O País, p. 15

Gabeira vê idéias de Mangabeira "descoladas" dos debates nacional e internacional e do próprio modelo do governo.

Um projeto tão grandioso que sequer chega a ser um projeto. Uma enxurrada de frases de efeito midiático que mais anseiam por repercussão do que por viabilidade e profundidade. Idéias dissonantes das tendências contemporâneas. Assim o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), de férias no Rio, avalia, em síntese, as propostas apresentadas na semana passada pelo ministro Mangabeira Unger para o desenvolvimento da região amazônica. Um resumo das críticas de Gabeira, em entrevista por telefone ao GLOBO, está nos trechos abaixo.

SÃO FRANCISCO: "Sempre houve essa inconformidade com o fato de a natureza, em termos hídricos, ser tão generosa na Amazônia e tão árida no Nordeste. O debate da transposição do São Francisco vem se fortalecendo através da utilização de um rio que não está na Amazônia precisamente, mas é um afluente do Rio Tocantins, chamado Rio do Sono. A impressão que o ministro Mangabeira passa é a de que sequer chegou a examinar essa hipótese, há tantos anos discutida".

FOME AMAZÔNICA:"Estamos acostumados a projetos grandiosos para a Amazônia, como o do grande lago de Herman Kahn, que era impressionante. Mas estamos acostumados também a ver a Amazônia engolir todos esses megaprojetos".

APENAS FRASES:"Há uma necessidade de o governo ter um projeto para a Amazônia e todos os documentos do Banco Mundial lamentam a ausência de uma autoridade nacional responsável por esta iniciativa. Provavelmente o Mangabeira quis preencher esta lacuna. Mas cadê o projeto? O documento não foi apresentado. Por enquanto, são apenas frases. Um ministro que cuida do futuro expor idéias sem especificações, sem prazos? É mais um fato de mídia do que um acontecimento que vai ter desdobramento no tempo. O que ele fez nessa viagem foi afirmar a vontade de ter um projeto. Mas projeto não é".

CONTRAMÃO DA HISTÓRIA: "Mangabeira disse que a Amazônia não pode ser um parque da humanidade. Esta idéia está na contramão da História. Ao expô-la, ele retirou todo o conteúdo econômico de prestação de serviços ecológicos que a existência da Amazônia, por si só, representa para o planeta. Serviços que começam a ser reconhecidos, junto com um grande esforço em valorá-los. A grande chance do Brasil é, exatamente, baseando-se nisso, recolher os recursos necessários para desenvolver a região de uma forma sustentável".

REPERCUSSÃO: "Acho que se o ministro Mangabeira apresentasse suas idéias de uma forma mais tranqüila, seria melhor. Veja bem, a frase do aqueduto ele já disse que foi retirada do contexto... Mas ele temia não ter repercussão, então se valeu da retórica para consegui-la. Num primeiro momento hesitei em me estender sobre o assunto porque acho que a repercussão não é importante. Importante é a profundidade do debate".

CONTRAMÃO DO GOVERNO: "O financiamento internacional da preservação da floresta, tendo o desenvolvimento sustentável como contrapartida é o modelo no qual se pode internacionalmente avançar. E existe farta disponibilidade do Banco Mundial, que se mostra disposto, em seus documentos, a financiar esse desenvolvimento. O próprio governo brasileiro de certa maneira está tentando desenvolver esse modelo através da criação de um fundo para as florestas tropicais. A ministra Marina (Silva) e o ministro Celso Amorim vêm trabalhando nesta linha. Pelo jeito, o Mangabeira entrou por um caminho diferente".

ÍNDIOS & NEGÓCIOS:"Sou cético quanto a ensinar idiomas aos índios porque, no contato com os estrangeiros, eles estão aprendendo. E dizer que não há uma exploração comercial nas áreas indígenas é equivocado. E os diamantes dos cintas-largas? Exploram e fazem suas associações. Os caiapós fizeram vários acordos com a Body Shop e produziram para a empresa. Os índios não estão deixando de fazer este ou aquele negócio por desconhecimento do idioma, mas por falta de mais oportunidades. Isto quando os negócios não são negativos para eles. Venda de madeira, por exemplo: não faz sentido destruir o próprio habitat. Já os projetos de produção sustentável funcionam. No caso dos cintas-largas é uma situação irregular, há problemas de ordem policial. Mas já existe o impulso, não é novo, e não é o idioma que está dificultando o avanço, mas a falta de uma legislação para exploração mineral em terras indígenas. Existe um projeto do Romero Jucá que a gente vem recusando por achar que é inadequado, e o governo já mandou outro. Depende de lei complementar. Esse processo e este debate já estão em curso!"

SANCHO PANÇA:"Índios, línguas, exploração mineral, aqueduto. O ministro expôs suas idéias e a população, e a opinião pública, funcionaram como Sancho Pança: "como levar água para o Nordeste se não temos água encanada aqui? Como fazer os índios aprenderem novos idiomas se os idiomas dos índios sequer estão sistematizados nos supercomputadores do Sivam, e vão desaparecer?"

PAPO DE BOTEQUIM:"As propostas do ministro Mangabeira Unger são muito descoladas da realidade e do próprio debate público. É como se nunca antes neste país se tivesse discutido este tema. Para se fazer um projeto é preciso antes fazer uma análise crítica das idéias historicamente desenvolvidas. Do contrário, é conversa de botequim".