Título: Cicatrizes de um conflito
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 20/01/2008, O Mundo, p. 40

Assim como a sociedade colombiana, governo exibe em seus integrantes as marcas da guerra.

Quarenta anos de conflito deixaram marcas em basicamente todos os setores da sociedade colombiana. No país, é difícil encontrar uma família que não tenha algum de seus membros vítima de ação da guerrilha, dos paramilitares ou mesmo do tráfico de drogas, que se mistura à guerra interna. Essas cicatrizes existem em todos os níveis, e mesmo no governo, onde o presidente Alvaro Uribe é o principal símbolo dessa situação: seu pai, Alberto Uribe Sierra, foi assassinado em 1983 durante uma tentativa de seqüestro pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) no rancho da família, em Antioquia.

Para alguns analistas, esse passado - não só de Uribe, mas também de outras figuras do alto escalão - explica o duro discurso do governo contra a guerrilha e a determinação em derrotá-la. Para outros, é o reflexo de uma longa guerra que deixou fraturas de ambos os lados.

Marcos Romero, professor de ciências políticas na Universidade Nacional da Colômbia, acredita que o assassinato do pai influenciou o Uribe político, mas que seu governo também é o resultado de um modelo de enfrentamento que teve início em 2000 com o Plano Colômbia, pelo qual os Estados Unidos têm enviado recursos para o combate ao tráfico e terrorismo.

- É correto que desse ponto de vista ele também é uma vítima. E isso explica sua obsessão de derrotar as Farc como presidente - diz Romero, para em seguida ressalvar que isso não excluiria de todo uma solução política: - Quando quer, Uribe pode ser o homem mais pragmático do país.

A lista não pára em Uribe. Com outros dez jornalistas, o atual vice-presidente da Colômbia, Francisco Santos, permaneceu oito meses refém do grupo de Pablo Escobar, chefe do Cartel de Medellín, para forçar o governo a suspender a extradição de traficantes. Libertado, ajudou a fundar País Livre, uma ONG de apoio a vítimas do seqüestro e seus familiares.

Senador perdeu dedos em atentado

Em janeiro do ano passado, Fernando Araújo conseguiu fugir das Farc, após seis anos de cativeiro. Em seguida, foi nomeado por Uribe ministro de do Exterior, no que analistas interpretam como uma forma de dar visibilidade à crise humanitária no país e contra-atacar o escândalo de políticos envolvidos com paramilitares.

A lista segue com deputados, senadores, vereadores, vítimas de seqüestro ou atentados, como Piedad Córdoba - ex-mediadora na negociação com as Farc - que passou semanas refém das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), em 1999. Senador mais votado do país em 2006 e partidário de Uribe, Germán Vargas Lleras sofreu vários atentados: em um perdeu parte dos dedos da mão esquerda; em outro, sua comitiva foi alvo de um carro-bomba. Já o senador Juan Manuel Corso ficou um ano e meio em poder do Exército de Libertação Nacional (ELN) quando era deputado.

- É difícil analisar como isso afeta as pessoas ou imaginar como seria Uribe se não tivesse perdido o pai. Mas sua posição não me parece causada pelo incidente na vida pessoal - observa Alfredo Rangel, diretor da Fundação Segurança e Democracia. - Acho que não houve nenhum governo nos últimos 20 anos sem que algum de seus membros ou familiares tenham sido vítimas do conflito.

Rangel faz uma conta por alto: mais de 20 mil seqüestrados em 20 anos; milhares de assassinados; centenas de vítimas de extorsão. Não há resultado preciso, "mas é possível imaginar uma porcentagem muito alta de famílias vítimas do conflito", diz ele.

O conflito é também uma estrada de duas vias. Do lado da guerrilha, muitos reclamam de violações de direitos humanos. Romero conta que o próprio Manuel Marulanda (líder das Farc) diz que foi expulso das terras em que vivia, vítima da violência do Estado, e Alfonso Caño, membro do secretariado do grupo, diz que foi torturado quando ainda era estudante.

- É uma guerra longa. Há vítimas de todos os lados - acrescenta.