Título: A política para a América do Sul
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 22/01/2008, Opinião, p. 7

Nos últimos 10 anos, depois de alcançar a estabilização da economia, o Brasil viu crescer sua projeção no cenário internacional, com a natural ampliação de sua agenda externa, tanto econômica como política.

O fato de se estar tornando um ator global não deve fazer com que o Brasil descuide do seu entorno geográfico. A vizinhança mais próxima deve merecer atenção não só do ponto de vista da parceria comercial, mas, sobretudo, do ângulo político para acompanhar e entender as transformações regionais que podem afetar seus interesses.

No caso da América do Sul, o mapa político e o cenário econômico estão sofrendo profundas transformações. A emergência de movimentos sociais, do poder indígena e de novas lideranças fez ressurgir como foco principal, na área externa, um forte apelo popular nacionalista, antiglobalizante e antiamericano.

Como o governo brasileiro está reagindo a essas transformações e qual a política que tem desenvolvido em relação a seus vizinhos geográficos?

O discurso oficial considera a América do Sul a primeira prioridade da política externa e não se cansa de repetir que nunca na História do Brasil o relacionamento com os países da região esteve tão próximo e tão positivo, não só em termos da relação bilateral, como em termos de integração regional (Mercosul). A política atual insiste em que o Brasil, como o maior país da região, deve tomar a dianteira nas políticas de integração, faça concessões aos países menores e assuma a responsabilidade de reduzir as assimetrias existentes. Em declarações recentes, Lula observou que falta vontade política para avançar o processo de integração regional e que as decisões políticas deveriam prevalecer sobre as considerações técnicas.

Já os críticos da política externa para a região consideram que o Brasil não está captando corretamente o sentido das transformações políticas que estão ocorrendo, que nossos interesses estão sendo crescentemente afetados sem uma resposta adequada e que, na realidade, uma agenda, que não é a nossa, está sendo executada. O Brasil estaria a reboque dos acontecimentos e com dificuldade para conseguir apoio quando estão em jogo propostas, candidaturas ou políticas do interesse de Brasília, apesar de algumas claras afinidades político-partidárias e ideológicas. Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai implementam políticas claramente contrárias aos interesses nacionais sob o olhar complacente de Brasília.

Limitações internas e regionais reduzem as possibilidades de sucesso de propostas muito ambiciosas da política brasileira para a América do Sul.

No plano doméstico, a superficialidade do debate, a dificuldade em delegar ou compartilhar soberania em instituições internacionais e, como observou o presidente Lula, a existência de políticas públicas com viés antiintegração dificultam a consolidação de uma visão brasileira para a América do Sul.

No plano externo, a crise dos projetos de integração na América do Sul, o retorno do nacionalismo econômico em alguns países, a divergência de visões sobre o papel do Estado na economia e a prioridade da inserção internacional, bem como a politização das divergências nas relações entre os países da região, impõem limites ao grau de ambição para a integração regional e para a própria revisão da política brasileira para a América do Sul.

Em trabalho recente ("O Brasil e a América do Sul"), em que colaborei e com cujas conclusões estou de acordo, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) procura aprofundar a análise das percepções brasileiras e de política externa em relação à região.

O trabalho toca em três questões que me parecem básicas:

- quais os objetivos políticos e econômicos do Brasil na região;

- quais deles devem ser mais bem identificados e aprofundados da agenda brasileira para a região em função dos objetivos definidos;

- como esses objetivos afetam o posicionamento brasileiro nas relações bilaterais e diante da integração regional.

Qualquer que seja a visão que venha a prevalecer, a criação de um espaço comercial ampliado na região e a defesa intransigente do interesse nacional no relacionamento bilateral deveriam ser, nos próximos anos, os principais fundamentos de uma política criativa e pró-ativa do Brasil para a região.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp e ex-embaixador em Washington e Londres.