Título: Teria sido melhor se o governo dos EUA tivesse cortado custos
Autor: Damé, Luiza; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 22/01/2008, Economia, p. 17

Economista-sênior do Dresdner Kleinwort, em Nova York, Nuno Camara critica as medidas propostas pelo governo dos EUA para acelerar a economia americana e avalia que o Brasil está mais protegido hoje porque o Banco Central cortou os juros básicos de forma moderada, e o governo manteve sua política fiscal.

Felipe Frisch

Qual é a explicação para as bolsas continuarem em queda?

NUNO CAMARA: O pacote foi digerido na sexta-feira, acho difícil que a Europa esteja reagindo de forma tão negativa a algo que não mudaria tanto. Acho que se trata mais de uma preocupação relativa à saúde do sistema financeiro, uma continuação desse mau humor de início de ano. Até que sejam vistos sinais da economia americana reagindo com mais força ou haja uma atitude do Fed (Federal Reserve, banco central americano), a volatilidade não vai parar, veio para ficar. Mas eu não compartilho desse medo do mercado.

Qual é a sua avaliação do pacote anunciado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, na sexta-feira? Veio tarde?

CAMARA: Não sou um grande fã de pacotes fiscais. A reação teria sido melhor se o governo tivesse cortado custos, em vez de gastar mais. A melhor resposta virá pelo Fed, através de diretrizes monetárias. O pacote foi uma desculpa de alguns para se ater a ele como fator de risco. Poderia ter sido fantástico, e o mau humor iria persistir se viesse um número ruim no dia seguinte. Uma vez que a economia comece a se recuperar, isso vai mudar o movimento de mercado e vai criar um movimento de manada no sentido oposto. Ninguém quer ser o último a voltar. Quem disser que sabe quando isso vai acontecer vai estar mentindo. É difícil que ocorra nos três primeiros meses do ano, até que venham sinais de recuperação.

Já existe recessão nos EUA?

CAMARA: A percepção do banco é de crescimento abaixo do potencial por um curto período. Como consumidor, minha percepção não é de recessão, mas o que vejo na rua não é um bom termômetro de atividade. Temos que nos ater à definição acadêmica, e eu tendo a ter uma visão mais positiva da economia. O mundo está em situação bem melhor do que há seis anos para enfrentar uma situação como essa, várias moedas atuando em regime flutuante, para absorver esses choques. O Brasil está mais diversificado na pauta de exportações, com China e Índia tendo papel relevante no crescimento mundial.

Qual será o impacto para o Brasil?

CAMARA: No caso do Brasil, um ano atrás, todo mundo considerava conservadorismo do Banco Central a manutenção de juros altos e reduções graduais, de 0,25 e de 0,50 ponto percentual por reunião. Hoje, ainda que o Brasil esteja sendo atingido por volatilidade, se poucas pessoas vão sentir o impacto macro, é porque o dever de casa foi feito. Todo o conservadorismo vai compensar. Nunca se pode ser complacente, e o governo tem que se dar conta de que não há espaço para mudar políticas fiscais. Passamos cinco anos de ventos favoráveis, fazendo o trabalho de formiguinha. É mais importante do que nunca fazer a reforma fiscal.